2005/09/26

O primeiro dia de aulas

Elas e eles aí andam – conduzidos pelos colegas mais velhos, das “Comissões de Praxe” – entoando cânticos, muitas com a cara pintada, quase todos com um distintivo do seu curso. Almoçaram, às centenas, na enorme cantina da Universidade, e, mais tarde, reuniram-se no pavilhão gimno-desportivo, completamente cheio – os caloiros sentados no chão, os “doutores”, quase todos com trajo de gala, nas bancadas. Ouviram as boas vindas do Reitor, do Presidente da Associação Académica e do “Papa” (o Papa é o equivalente minhoto ao “Dux Veteranorum” coimbrão), escutaram pela primeira vez o hino da nossa Academia, e dispuseram-se para uma semana diferente, pensada para a sua integração na Universidade do Minho. Não tenho dúvidas de que vão surgir queixas do barulho que não deixa trabalhar quem está em sossego nos gabinetes, de práticas pouco canónicas da praxe, em suma, queixas quanto à decisão que se tomou nesta casa de, em colaboração com a Associação Académica, proporcionar aos estudantes do 1º ano uma semana inteirinha de actividades de integração.

Sinto-me por vezes dividido em relação a isto. A minha memória não regista nada – nada, mesmo – do meu primeiro dia de aulas na Universidade. E não regista nada porque pouco haveria a recordar. Nos meus tempos, a entrada na Universidade (Lisboa, 1954) não supunha enquadramento, integração, nada: era o salve-se quem puder. Assim, eu nunca fui caloiro, sendo naturalmente caloiro…

Ao observar hoje as centenas de jovens sentados no chão do gimnodesportivo, vi nos seus rostos alegria, talvez um agradecimento por sentirem tão perto a presença dos colegas mais velhos. Talvez até a presença de nós, professores, que estoicamente suportámos um barulho que deve superar o do descolar de um Boeing 747… Eu detesto ver algumas praxes. Não lhes acho graça e por vezes penso-as humilhantes. Serão os meus olhos?

Há uns meses, entrevistando um aluno brilhante do curso de Medicina, o melhor aluno da sua escola secundária, e sondando o que ele pensara das praxes, ouvi o que não esperava – que tinham sido um cimento excelente para a camaradagem do curso, que não achava que prejudicassem quem quer que fosse. Talvez seja verdade e eu esteja enganado. Hoje, repito, pareceu-me genuína a alegria dos jovens. Alegria de que fui privado, há cinquenta anos…

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