Embora não possa afirmar com absoluta certeza (alguns dos dados que possuo são relativamente antigos) serão raros, se existem, sistemas educativos que nos seus programas de formação de professores tenham um estágio de um ano no qual os candidatos a professores sejam titulares efectivos de turmas. Assim, o caso português (para professores do 3º ciclo do ensino básico e ensino secundário) deve ser único. Esta situação remonta aos finais da década de 70 quando foi publicada a portaria nº 431/79, de 16 de Agosto. Estava em causa a necessidade de responder à criação dos cursos de formação das Universidades novas – Aveiro, Minho, Évora – em meados da década, integrando também os cursos dos ramos de formação educacional das Faculdades de Ciências, cujo início foi anterior.
Ao invés do que aconteceu em outras situações, não acompanhei de perto a elaboração desta legislação. Mas ela respondia a uma tendência que se afirmara e que mais tarde viria a ser consagrada na Lei de Bases de 1986, a da formação integrada, ou seja, proporcionar um verdadeiro curso profissionalizante desde o seu início. Anteriormente, quem queria enveredar pela carreira docente (no secundário, uma vez que no ensino primário sempre foi diferente) teria de ter uma licenciatura adequada, fazer um curso de um ano de Ciências Pedagógicas nas Faculdades de Letras de Lisboa ou Coimbra, e depois candidatar-se a um estágio, de dois anos (mais tarde passou a um só ano), não remunerado, e no qual não era titular de qualquer turma. A sua função consistia em observar as aulas dadas pelo professor metodólogo e pelos colegas, planear e leccionar sequências nas turmas do metodólogo (sequências lógicas, como é óbvio) e fazer muitos trabalhos de vária ordem.
Entretanto, quando depois da publicação da Lei de Bases as Escolas Superiores de Educação começaram a funcionar e a formar professores para o 2º ciclo do ensino básico, os estágios no último ano de formação assimilaram-se aos do 1º ciclo (antigo ensino primário), ou seja, não havia qualquer remuneração nem turmas próprias, ao invés do que acontecia antes aos licenciados que optavam pela profissionalização no antigo CPES (Ciclo Preparatório do Ensino Secundário).
Devo dizer que o problema da remuneração, naturalmente relevante para os alunos, é exterior ao da formação. O hibridismo da situação – os professores são alunos da Universidade, mas na escola são considerados professores (em formação) – não é de modo algum claro. E não é, também, compaginável com o que acontece noutras situações de cursos profissionalizantes, em que o estágio, se pago, é posterior ao curso em si; se durante o curso, creio, não é pago.
Como foi sugerido pelo PJ, a modalidade de conceder bolsas a quem provasse necessidade seria a mais indicada, nesta como noutras situações.
Não faço ideia quais as decisões que vão ser tomadas, na onda se Bolonha, em relação á formação dos professores. Sejam quais foram, porém, neste momento, supondo que se mantém a formação integrada, eu defenderia claramente um estágio diferente, mais curto e porventura mais intensivo, com forte apoio tutorial, muito centrado na escola de acolhimento, mais do que na Universidade. Deveriam ser criados mecanismos para ressuscitar o ano de indução, que nunca foi concretizado mas poderia ser, na verdade, a pedra de toque de qualidade no que se refere à carreira dos professores. Sei que é difícil mas não será impossível.
Concluirei amanhã esta série de notas sobre estágios.
3 comentários:
Meu caro VF
Penso que este modelo de estágios é anterior à sua referência e tem a ver com a solução encontrada para a organização dos ramos educacionais das faculdades de ciências. criados em 71 e em que o fim «rebentou» no pós-74. Aí ter-se-á adoptado o modelo convencional (por onde passou). Estarei enganado?
Um abraço flutuando na memória
AC
Gostei muito dos comentários de PJ, e concordo com a atribuição de uma bolsa, ou de um subsídio aos estagiários nas escolas.
Na verdade, tenho que concordar que havia algumas situações estranhas, relativas à condição dos estagiários. Mas estagiar sem receber nada, ainda mais quando, como exemplificou saltapocinhas, os gastos de quem se empenha são mais que muitos.
Já bastam os gastos não pagos de quem já está na carreira...
Falando de situações estranhas na formação, já vi várias. Apresento apenas uma, como exemplo. Tanto se fala do perfil e da avaliação das capacidades dos estagiários, e o que eu já vi mais d euma vez foi o orientador de estágio na Escola (Professor no básico/secundário) propor a não validação do estágio a um determinado candidato por falta evidente de perfil e de qualidade do seu trabalho, e a Faculdade onde ele estudava propor e conseguir, que ele/a se transforme num professor.
Afinal qual é o papel do orientador da escola, face ao 'poder' do Prof. Doutor da Faculdade?
Em relação ao comentário do meu anónimo(?) leitor, tanto quanto me lembro, o ramo de formação educacional, que começou efectivamente nos princípios dos anos 70, não previa vencimentos aos estagiários. A par desses estágios havia os chamados "estágios clásicos", nos quais eu fui estagiário e metodólogo, que de facto "rebentaram" com o 25 de Abril, quando se estava, exactamente, a tentar encontrar um modelo sucedâneo. Com a entrada das Universidades na formação de professores a situação teve de evoluir para a célebre profissionalização em exercício, em 1980. Ai sim, os professores ganhavam porque estavam ao serviço. Mas tenho de consultar papéis para ser mais preciso...
Agradeço a todos as contribuições!
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