Concluí o post anterior dizendo que no final dos anos 80 os Politécnicos criados estavam a funcionar. A história não acaba aí, mas vou fazer uma pausa para continuar a dar um relevo especial às Escolas Superiores de Educação, que constituíram uma real mola impulsionadora do ensino superior politécnico.
Como já foi dito, na reforma Veiga Simão tinham sido criadas as Escolas Normais Superiores (recuperando uma designação utilizada na 1ª República – 1911), como “centros de formação e aperfeiçoamento de professores para o ensino básico, em especial para o preparatório”. Houve mesmo um projecto (concretizado) de formação de docentes para essas escolas, o qual se traduziu na ida para os Estados Unidos da América de um número significativo de bolseiros que aí obtiveram mestrados (e alguns continuaram, mesmo, para doutoramentos). O 25 de Abril fez abortar a ideia das Escolas Normais Superiores, mas logo surge uma ideia afim, a das Escolas Superiores de Educação, que irão substituir as Escolas do Magistério Primário na formação dos professores para esse ramo de ensino, as escolas (poucas) que formavam educadores de infância e, retomando a ideia de Veiga Simão, tendo também atribuições na formação de professores para o ensino preparatório (como era designado o ensino dos 5º e 6º anos de escolaridade).
A formação de professores do ensino primário tinha sido, até aos anos 70, da competência de escolas do magistério primário, uma por distrito (com excepção de Setúbal). Durante muitos anos foi uma formação aparentemente pouco exigente: os alunos eram admitidos com o antigo 5º ano dos liceus (equivalente ao actual 9º) e o curso tinha a duração de dois anos. Ou seja, podia ser-se professor do ensino primário com apenas 7 anos de escolaridade e exercer a profissão apenas com 17, 18 anos. Gostaria de explicar o “aparentemente”, para já de uma maneira sucinta, deixando porventura uma reflexão mais cuidada para depois. Em meados do século XX o curso geral dos liceus, com 5 anos, era muito exigente (não esqueçamos que vivíamos no tal período elitista no qual, apesar das metodologias tradicionais, chegavam ao fim os melhores). Para entrar nas Escolas do Magistério havia um exame de admissão, e os dois anos do curso eram anos de trabalho intenso. Falo com conhecimento de causa porque entre 1961 e 1963 fui professor de Psicologia Aplicada à Educação da Escola do Magistério Primário de Viseu. Ora depois do 25 de Abril houve mudanças significativas: a entrada passou a exigir o 7º ano (actual 11º), o número de anos passou de dois para três e os currículos foram substancialmente alterados (1976). Preparava-se, assim, a elevação dos cursos do magistério primário de estudos médios para superiores.
É curioso lembrar que quando, em 1984, a OCDE fez o exame da política educativa de Portugal, a equipa de peritos não se mostrou muito entusiasmada com as alterações, chegando a declarar que não tinha descoberto nenhuma insuficiência grave na formação dos professores do ensino primário “que repercutisse na sua eficácia nas escolas e que justificasse uma mudança tão dispendiosa” (Exame das Políticas Nacionais de Educação: Portugal. Lisboa, GEP-ME, 1984, p. 106). Contudo (e devia a estar a referir-se à ESE de Viseu, que como disse começou a funcionar muito mais cedo do que as outras) a mesma equipa congratulou-se com o facto de a formação dos professores de ensino primário e preparatório passar a fazer-se conjuntamente.
Era essa, aliás, a intenção clara da mudança. Para isso se trabalhou ao nível das diferentes comissões instaladoras, muito trabalho “no arame” porque nos faltavam linhas orientadoras. Pedia-se uma nova lei de bases, que se tornava necessária depois de aprovada a Constituição de 1976, e que era insistentemente reclamada por professores, estudantes, associações de pais. Na Assembleia da República foram sendo presentes ao longo dos seus primeiros anos iniciativas de lei dos partidos políticos, mas só em 1986 se criaram as condições para um trabalho intenso e rigoroso que veio a culminar com a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, no dia 24 de Julho, com votos a favor do PSD, PS, PRD e PCP, votos contra do CDS (não era na altura …PP) e a abstenção do MDP/CDE. Esse diploma foi depois publicado em 14 de Outubro como a Lei 46/86.
Só então ficaram definidas coordenadas importantes para as ESE's: foi a Lei 46/86 que suprimiu a designação de ensino primário, consagrando a divisão do ensino básico em três ciclos (4+2+3) apropriando-se de parte do que era ensino secundário; e definindo em absoluto a formação de professores integrada, tal como na década de 70 se iniciara nas chamadas universidades novas, Minho e Aveiro. Educadores e professores do 1º ciclo completavam cursos de 3 anos e eram bacharéis; os professores do 2º ciclo teriam mais um ano de curso e eram licenciados. Como se sabe, hoje já não é assim.
Não posso deixar de lembrar uma outra curiosidade, mas fica para depois…
4 comentários:
Acho que devia começar a escrever novelas. Cada capítulo que leio desta história deixa-me em suspense para o capítulo seguinte ;-)
Uma das críticas sistemáticas que se dirigem às Escolas Superiores de Educação é a que aponta para uma sobrevalorização da formação educacional relativamente à formação de natureza científica (saliento que considero estas designações pouco apropriadas e que só as utilizo tendo em conta a necessidade de me fazer entender). O que é que o Prof. Cândido de Freitas pensa desta observação?
PJ
Ao comentador anónimo
É difícil dizer o que penso em resposta rápida. Prometo que o assunto não deixará de ser ampliado em post futuro, mas para já direi o seguinte. O papel dos professores é diferente consoante os seus alunos. É diferente ter de gerir as aprendizagens de crianças de 10 anos de ter uma audiência de alunos universitários. Os alunos das ESEs destinam-se a escolas básicas e têm necessariamente de ter uma compreensão pedagógica do processo de ensino-aprendizagem que um professor universitário, não devendo ignorar, pode menos em atenção...
O conhecimento "científico" (tenho o mesmo embaraço que o meu leitor na designação) de matérias que devem ser aprendidas será, também, distinto: no primeiro caso está em causa a iniciação e a compreensão aos níveis etários respectivos; no segundo caso, há a suposição de que os alunos dominam os conhecimentos elementares (ou melhor, necessários) – trata-se de ampliar conhecimentos.
As ESEs terão, porventura, aqui e além, valorizado em demasia os aspectos pedagógicos, e em alguns casos os próprios currículos deveriam ser revistos para aligeirar a carga lectiva; adicionalmente alguns procedimentos metodológicos novos deveriam ser considerados. Mas a verdade é que os objectivos das ESEs não podem supor um grande aprofundamento das matérias científicas: o professor do 1º ciclo é generalista e o ano mais que se concedeu às variantes.. é apenas um ano.
Concluindo: não se pode nem deve retirar às ESEs a mais valia que representa a sua dimensão pedagógica, mas penso que de facto ela deve ser revista, inscrevendo-se nessa revisão alguma maior elaboração acerca do que pode ser melhorado no estudo e aprendizagem das disciplinas curriculares que não tenham a ver com a educação.
Aguardo que desenvolva posteriormente este tema que considero particularmente importante. Apenas duas observações. Em primeiro lugar, os licenciados pelas ESES podem dar aulas aos alunos do 3º ciclo desde a alteração à Lei de Bases da Educação introduzida no consulado de Marçal Grilo. Pessoalmente é meu entendimento que,pelo menos ao nível do 7º, 8º e 9º anos,um professor não pode ter uma formação científica superficial. Em segundo lugar, este anónimo é o PJ, o meu "nickname"ao nível dos blogs. Não deixo de ser anónimo mas um anónimo com nome.
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