2005/01/16

A Pastelaria Cister

Na quinta-feira passada tive uma reunião de um júri de concurso académico na Universidade Aberta. Na viagem de Braga para Lisboa, agora tão confortável e relativamente rápida com o Alfa pendular, revisitei as memórias da minha juventude, muito ligadas à zona lisboeta onde hoje é a Aberta. E decidi, porque tinha algum tempo, deambular por ruas e praças que conhecia como as minhas mãos quando fui aluno do Liceu de Passos Manuel e depois da Faculdade de Letras, que nessa data funcionava nos pisos inferiores do Convento de Jesus, na agora denominada Rua da Academia das Ciências (até se dizia, por graça, que a Faculdade de Letras de Lisboa era a única escola na qual, para se subir na vida, se começava a descer…).

Desci em Santa Apolónia, almocei na Baixa – o que outrora fazia com alguma frequência – e fui depois aos Restauradores para tomar o elevador da Glória. No alto, olhei a cidade de S. Pedro de Alcântara, subi a D. Pedro V e passeei quase comovidamente no Príncipe Real, onde tantas e tantas vezes desci do eléctrico que, rumo ao Carmo, tomara em S. Sebastião da Pedreira (onde morava). Já não há eléctricos – há muitos automóveis, autocarros… Permanecem as árvores centenárias, e descubro diferenças – para que se implantasse um pavilhão envidraçado alteraram o jardim, lembro-me que ali havia dois bancos que já não existem… Entro na Rua da Escola Politécnica e o meu olhar procura a Casa das Cortiças, uma loja curiosa que vendia apenas objectos de cortiça… Claro que já não existe. Mas, quase a chegar ao Palácio Ceia, deparo à minha esquerda com a Pastelaria Cister. A Cister! O refúgio de tantos de nós, mais de alunos da Faculdade de Ciências do que das Letras, é verdade, o lugar onde tantas e tantas vezes bebia a bica e, se com fome, acompanhada de um folhado de carne… Entrei. Claro que está diferente, mais ampla. Há ainda quem esteja a acabar de almoçar. Creio que não serviam almoços, há cinquenta anos. Peço a bica (cheia) e recuo a 1955. Há cinquenta anos. Era aluno do 1º ano do curso de Ciências Históricas e Filosóficas. Recordo colegas, por boas e más razões. Recordo professores desse 1º ano: quem, das novas gerações, se recordará deles? Luís Schwalbach, Luís Ribeiro Soares, Irisalva Moita, Mário de Albuquerque, Scarlat Lambrino, Artur Moreira de Sá… Quase todos já falecidos. Pergunto-me: influenciaram-me? Estes, provavelmente, não: mas mais tarde fui aluno de Vieira de Almeida, Virgínia Rau, Ferreira de Almeida, esses, de algum modo, deram-me algumas pistas para o futuro. Schwalbach, professor de Geografia Humana, era um velhote simpático que ditava (!) as suas aulas, que tinha memorizadas a ponto de quase poder dizer quando devia ser parágrafo… Tivemos, como trabalho extra, de elaborar uma monografia de uma localidade e eu decidi-me por Canas de Senhorim, porque tinha uma familiar que tinha nascido lá; e não é que pus, na altura, a hipótese da restauração do concelho? Talvez um dia volte a falar desse meu primeiro trabalho na Universidade… Lambrino, que era um excelente epigrafista, um romeno emigrado em Portugal, dava as aulas em francês, e começava invariavelmente a prelecção dizendo “Comme nous avons eu l’occasion de voir dans la notre leçon précédente…” Gostei da disciplina e do professor, apesar de ser também apenas um falante. Mas essa era a norma. Era? Ou, em larga medida, ainda é? E a reflectir sobre o passado que revivi e comparando com o presente, vi que era tempo de me dirigir à Universidade Aberta. Cá está, onde há cinquenta anos se falaria de Universidade Aberta? A primeira (a Open University) data de 1960...

Saí da Pastelaria Cister provavelmente com um vago sorriso de quem recuara cinquenta anos e se vira com a farta cabeleira que hoje não tem, procurando enxergar se o eléctrico 24 já se divisava dos lados do Príncipe Real. Já não há eléctricos, o meu cabelo foi-se, mas a Cister, essa, centenária, lá está. A ligar as memórias de gerações.

6 comentários:

A. Carlos Coelho disse...

Senhor Professor
Partilhei consigo momentos agradáveis na RUM e agora revejo-o na blogosfera. Depois comecei a "visitá-lo no blog da discipplina de Currículo e Cultura. Bem vindo e fica desde já a certeza que as expectativas são elevadas...

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Caro Amigo, agradeço as suas palavras. Vamos ver até onde o meu tempo disponível permite um desenvolvimento do meu projecto tal como o pensei. Será sempre um prazer dialogar.

Acilina disse...

Vim aqui ter porque vi que visitou o meu blog. Tive a agradável surpresa de ver que ele já consta dos seus links, o que agradeço. E começei a lê-lo... A Pastelaria Cister também faz parte das minhas memórias, pois fui aluna da Faculdade de Ciências. Para mim foi de 1968 a 1973 que frequentei aquelas paragens. Costumava passar horas ali sentada com colegas a estudar. Raramente passo lá agora. Nem sabia que já não tem elétricos.

Cândido M. Varela de Freitas disse...

São estes encontros que tornam os blogs fascinantes.

Unknown disse...

Caro Prof. Cândido M.Varela de Freitas,

A sua descrição saudosa da Cister é algo fascinante, partilhei o parte do seu artigo no meu blogue porque estou a fazer um trabalho para faculdade sobre as experiências de que frequentou a Cister. Gostaria de saber se me pode indicar nomes de outras pessoas que a frequentaram para partilharem as suas vivências comigo?

Com os melhores cumprimentos,

Maria Inês Silva

Cândido Varela de Freitas disse...

Não deixa de ser espantoso que tendo este blog sido, de algum modo, descontinuado, ainda hoje haja quem o visite! Cara Maria Inês, tenho alguma dificuldade em indicar nomes de colegas que tenham partilhado, comigo, as mesas da Cister. Quem mais o fez está longe e, infelizmente, doente. No entanto, se me ocorrer alguém, indicar-lho-ei por esta via. E obrigado!