Entre os aspectos que Bolonha trouxe à discussão situa-se o nome dos graus a conceder no ensino superior. Há quem defenda que Portugal alinhe com a maior parte dos países, eliminando o grau de licenciado e considerando os de bacharel, mestre e doutor. Há quem não aceite o pôr de parte o título de licenciado, argumentando com o peso de uma tradição e, também, com a possível desvalorização que tocaria a quem o possui.
Confesso que este ponto não me suscita grande emoção. Talvez pela influência anglo-saxónica que assumo, claramente, e porque penso que tal facilitaria os contactos internacionais, voto pelo trio bacharel – mestre – doutor.
Como muitos saberão, a designação licenciatura tem raízes nas universidades medievais: inicialmente, após o curso, o chanceler concedia a licentia docendi, isto é, a licença de ensinar, o que a maior parte dos laureados iria de facto fazer nas igrejas. A continuação dos estudos levava ao título de Mestre (concedido numa cerimónia chamada inceptio), título esse que se confundia mesmo com o título de Doutor. Mas com o rodar dos séculos a licentia docendi foi perdendo importância, e em Portugal, no século XIX, o grau mais prestigiado era o de bacharel (aliás, bem documentado na literatura da época). As licenciaturas permaneciam mas eram como que preparatórios para o doutoramento. No século XX, já com a República, continuaram a existir bacharelatos e licenciaturas, mas a pouco e pouco os primeiros foram desaparecendo a ponto de, em meados do século, só haver licenciaturas. O grau de bacharel é depois restabelecido quando da criação dos politécnicos.
Como é evidente, a extensão dos estudos foi sempre um factor determinante para serem distinguidos pelo nome. Assim, embora as actuais licenciaturas (algumas de 4, outras de 5 e até de mais anos) se tenham já depreciado em relação a um passado não tão distante como isso, vamos agora continuar a designar como licenciaturas os possíveis cursos de 3 anos (1º ciclo)? Como é evidente, os “velhos” licenciados sentir-se-ão pouco felizes…
Pode argumentar-se, contudo, que o mesmo se passa em relação aos actuais mestres, que necessitaram de pelo menos 6 anos (4 de licenciatura e 2 de mestrado) para o grau e no futuro verão formar-se colegas mestres com apenas 5 anos de estudos superiores. Bom, quando há alterações profundas num sistema não se pode evitar alguma incomodidade.
Mas, como disse inicialmente, não é este o aspecto do chamado "processo de Bolonha" cuja resolução mais me preocupa, seja ela qual for…
7 comentários:
Olá! Gostei de ler...mais umas coisas qu não sabia e vim aprender aqui!
E também descobri que, aconteça o que acontecer, não desaparecem os bacharéis, portanto ninguém me tirará o meu nobre título! ;-)
Meu caro Varela de Freitas.
Se a memória me não falha, o grau de bacharel ganhou novo impulso pelos finais dos anos 60 quando se tornou necessário dar resposta às necessidades do crescimento do ensino não superior. Em Letras, se bem me lembro por 67 ou 68, e em Ciências, por 70 ou 71. Nas universidades. E só pelos anos 80 é que desaparece destes templos do saber superior, sendo retomado pelos politécnicos (ainda se recorda do ensino superior de curta duração!)
Um abraço fraterno
o problema é que o beneficio dessa equiparação europeia dos títulos não me convence...pouco me importa se demorei mais anos para ter o grau de mestre pois para mim esses mais anos significam mais conhecimentos e mais experiencias vividas (sem repetições). Não ando aqui pelos títulos, mas ainda não me convenceram dos beneficios referidos.
A Saltapocinhas
Acabei agora de fazer um comentário ao teu post sobre manuais... Talvez volte ao assunto, aqui.
A 5deoutubro
Toda a razão! A memória às vezes falha... e em blogs não há a tendência para conferir todos os papéis que se foram amontoando. Mas depois da nota, recordei-me que assim foi.
Retribuo o abraço!
A Niguel Sousa
Os benefícios têm mais a ver com a mobilidade de estudantes, não só na Europa mas também em relação à países que adoptam o mesmo sistema. Concordo consigo no que se refere ao valor dos títulos...
O que me preocupa é a possibilidade, muito real, do pós-bolonha não se diferenciar do pré-bolonha. Refiro-me à assunção do paradigma Bolonha pelos formandos e (de)formadores.
Miguel Sousa
Sobre isso, meu caro... temos de esperar para ver. E ter algum optimismo (não ouso dizer fé...) sobre a capacidade de "regeneração" de alguns dos nosos docentes. Mas há ainda muitos que se preocupam e querem de facto aderir ao novo paradigma.
Professor Varela, a questão que se coloca é se a facilidade de mobilidade de estudantes é beneficio suficiente, comparativamente com a preparação que um licenciado, ou um mestre, ou um doutorado vai "perder" com o encurtar da sua formação.
Nem todos os que colocam duvidas acerca do processo de bolonha o fazem com o orgulho ferido, ou com o sentimento que vão perder algo...a minha preocupação é essencialmente do foro formativo.
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