2005/03/20

Uma vez mais, Barreto

De tempos a tempos, António Barreto escreve sobre educação. António Barreto é um homem inteligente e por isso deve ter-se em atenção o que escreve, mesmo que não se concorde com ele (e, por motivos para mim óbvios, não tenho concordado muitas vezes). Ora hoje, António Barreto publica no Público mais um artigo, que intitulou “Sete pecados capitais”, que, se lhe passou, pode ler aqui.
Curiosamente concordo desta vez com algumas das suas análises. E vou permitir-me, neste post, dar conta da minha leitura, das minhas concordâncias e discordâncias. Começo por dizer que Barreto vem dar razão a uma das minhas convicções: que tem havido, ao longo dos últimos quase 40 anos, um grande consenso em relação às políticas educativas. Havendo esse consenso, não haverá alguma razão para ele?

Enumero, em seguida, os pontos de acordo, seguindo a lista dos “pecados” por ele referidos.

É verdade que o dinheiro não é a solução para a educação. Tal como se costuma dizer que o dinheiro não traz a felicidade, eu diria que em educação o dinheiro não é o fundamental. Há desperdício, de facto, a todos os níveis, desde os equipamentos caros que apodrecem sem uso a formações caras sem qualquer retorno para quem delas deveria beneficiar. Conclusão: tem havido alguma incúria no modo como se gasta o dinheiro na educação.

Em relação ao número de professores, claro que há professores a mais, mas neste ponto não penso que alguém julgue que isso seja necessário para a educação; o que tem havido é um péssimo planeamento tendo em vista as necessidades e uma enorme complacência dos Governos em aceitar que se continuem a abrir cursos de formação.

Centralização: uma vez mais, acordo absoluto. Sempre fui contra e mesmo quando trabalhei nos serviços centrais do Ministério sempre defendi uma maior autonomia das escolas e um papel activo das autarquias. Um dia contarei uma história interessante acerca de como por vezes resolvia situações que me eram postas.

Por arrastamento, estou de acordo com a ideia de as escolas funcionarem em sistema fechado e de viverem em instabilidade. Salvo raras excepções, as escolas cultivam uma política de desculpabilização permanente, fecham-se por demais à sociedade – a começar pelas famílias dos alunos. O não se resolver o problema da colocação dos professores de modo a dar mais permanência a quem ainda não tem um estatuto de efectividade é um dos maiores males da educação.

Vou agora falar dos dois pecados que, em sete, Barreto considera como tal e eu não.

Para ele, as modas são um pecado. Antes de mais, ainda que possa anuir que há “modas” em pedagogia (como aliás em todos os sectores da vida social, mesmo que exista suporte científico para elas) elas não devem ser consideradas um mal em si, e as eventuais consequências negativas devem ser atribuídas a outros factores (que derivam dos outros pecados com os quais concordei) e não à moda em si. António Barreto, por exemplo, considera o “facilitismo” como a coroa da glória dessas modas. Ora ninguém com conhecimentos sérios no campo da educação advoga o facilitismo. Penso que nunca terá lido qualquer texto responsável que o autorize a dizer isto. Alguns aspectos que ele enumera como manifestações desse facilitismo podem ser enunciados sem a ele conduzir. Estudar pode ser um prazer, há momentos na escolaridade em que a reprovação não deve existir, os exames podem ser, de facto, fonte de stress. Quando um professor procura conhecer o estilo de aprendizagem de um aluno para lhe proporcionar um processo de estudo mais profícuo não está a facilitar mas a ajudar. Quando se define que ao nível do ensino básico a reprovação deve ser evitada há de facto uma protecção à criança – no sentido de não lhe retirar mais oportunidades de aprender. Quando se tenta substituir o exame por outras formas de avaliação mais equitativas (mesmo sem stress, o exame tem aspectos questionáveis em si) não se está a anular a necessidade de algum controlo das aprendizagens.
Continuando a análise, onde terá Barreto lido que “os professores e os estudantes são iguais em responsabilidades, direitos e deveres”? que “os «saberes» e as «competências» são mais importantes do que os conhecimentos e o treino”? e que “a cultura geral e os clássicos, numa palavra, a educação «livresca», são privilégios das classes favorecidas”? Diz eles que estes são disparates feitos políticas. Não conheço nenhuma política que iguale as responsabilidades, direitos e deveres de professores e estudantes, nem sequer na Universidade. Ao assumir um ensino-aprendizagem baseado em competências nunca se puseram em causa conhecimentos (que são saberes?). E também não me recordo de alguma vez ter visto a defesa dessa tese estranha de que a educação ”livresca” seja privilégio de classes favorecidas… (a educação livresca deve ser banida para todos, porque não é ela que “dá” cultura, e não por ser privilégio de classe).

Referirei finalmente o último pecado, o da gestão democrática. Não deixo de reconhecer que reveste problemas, como acontece em qualquer situação democrática (o tal sistema que não sendo perfeito é o menos mau…), mas aquela ideia de pôr nas escolas gestores ditos “profissionais” não me seduz.

No final do artigo, António Barreto vem de novo enumerar os responsáveis pelos males da educação, os pecadores, portanto, nos quais inclui muita gente (eu também lá estou, em algumas categorias que ele define: não como político, não sei se como burocrata, na sua visão, mas certamente como “especialista”, embora recuse sê-lo, e também como professor que já foi duas vezes eleito pelos seus pares e numa vez também como o voto de estudantes). Só que o resto do seu discurso enferma daquele defeito comum a quem, chamando aos outros demagogos, acaba por ser também demagogo, ao assacar a todos a responsabilidade de tornar a escola uma instituição fechada, escorraçando os que do exterior poderiam vivificá-la. Não são todos os que assim procedem. Há, no mundo global da educação, muitos protagonistas responsáveis. Que lutam contra a situação existente com armas limpas. Há muito a mudar? Há. Devem ser definidas, a nível do Governo, políticas que tendam a eliminar aqueles pontos negativos que acima enunciei? Devem. E devem sobretudo ser definidos critérios para os graus de liberdade que têm de existir, tanto nas escolas como em relação aos professores, com os consequentes termos de responsabilidade que a sociedade deve exigir a quem tem nas suas mãos a educação dos seus filhos. E até aí continuo a estar de acordo com António Barreto.

Não se pense, todavia, que é fácil essa mudança. Não é difícil a critica nem talvez seja difícil enunciar remédios. O que não é fácil é pô-los em prática.

8 comentários:

Miguel Pinto disse...

VFreitas
Parabéns pela entrada. Gostei da sua análise ao discurso da desgraça da educação do António Barreto. Lamentavelmente a comunicação social [destaco aqui o papel do Público] continua a intoxicar a opinião pública com opiniões de sentido único que servem interesses neoliberais mas que pouco contribuem para o esclarecimento da coisa educativa.
Não sendo possível abarcar neste comentário todas as questões que o seu texto suscitou, o meu olhar dirige-se para o problema do excesso de professores. A ausência de planeamento foi apontada como uma causa próxima do cenário actual não se acautelando a proliferação de cursos de formação inicial. Alguém poderá dizer quantos professores seriam necessários para suprir as necessidades de uma escola verdadeiramente pluridimensional? Não houvesse constrangimentos na gestão do crédito global de horas nas escolas quantos clubes escolares seriam revitalizados? E não creio que a autonomia reclamada pelas escolas resolva este problema porque esta matéria é uma questão de dinheiro. Sendo verdade que tem havido incúria na forma como são geridos os recursos, uma escola pluridimensional é sempre mais cara do que a escola actual.

Cândido M. Varela de Freitas disse...

A sua reflexão exige uma resposta ponderada. Procurei sempre, quando tive de emitir pareceres ou tomar decisões, não pôr liminarmente de lado as condições reais em que vivemos. A escola pluridimensional de que fala é a escola "tout court": todas as escolas têm de viver com os mesmos condicionalismos que se nos põem como cidadãos. Mesmo os países muito ricos não colocam nas escolas batalhões de professores. e nem sei se esse seria o melhor caminho. Como sabe, há numerosos horários zero e até agora não me tem constado que a sua ocupação nas escolas seja rentabilizada.

Miguel Pinto disse...

Os horários zero são, geralmente, atribuídos aos professores em trânsito e os clubes, resistentes, devem ser projectados plurianualmente. A proposta é simples: Alarguar os cordões à bolsa, deixar as escolas decidir o que fazer ao seu crédito global e explicar aos professores o que é essa coisa do accountability.

Miguel Pinto disse...

alarguar=alargar

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Meu caro Miguel Pinto, eu creio que em boa parte o alargar dos cordões à bolsa tem de ser considerado como um constrangimento inelutável. Eu defendo que a escola, na sua autonomia tem de encontrar soluções para concretizar o seu projecto pedagógico do modo mais económico (sem, evidentemente, o desnaturar).

Anónimo disse...

Alargar os cordões à bolsa? Fico estupefacto e boquiaberto!!!Em Portugal formar um aluno do ensino secundário fica mais caro do que formar um aluno do ensino superior. Não conheço nenhum país onde isto se verifique. E afirmar que um professor que se encontra numa escola por um ano não pode dinamizar um clube ou desempenhar outras actividades educacionalmente relevantes porque estas devem ser, preferencialmente, projectadas a médio prazo é, meu caro Miguel Pinto, um argumento que não lembra ao diabo...

PJ

Miguel Pinto disse...

A educação não deve ser um oásis quando se trata de gastar dinheiros públicos e aqui concordo com Varela de Freitas quando refere que as escolas devem viver com os mesmos condicionalismos que se nos põem como cidadãos. A questão central é saber o que se espera da escola e as funções sociais que ela é capaz de cumprir observando os constrangimentos que a afligem [incluindo, naturalmente, o esforço financeiro]. Não conheço a natureza dos estudos que lhe permitem afirmar que formar um aluno do ensino secundário fica mais caro do que formar um aluno do ensino superior. Mas, adoptando como válidas as conclusões do(s) estudo(s), não percebo o seu espanto. Significará a existência de uma sub dotação orçamental no ensino superior [creio que a voracidade das instituições do ensino superior pelo mercado do mestrados é um bom indicador]? Haverá focos de incúria na gestão dos recursos nas escolas secundárias [que é preciso combater!]? Teremos políticas educativas desconexas e de curto alcance? Haverá alguma relação com o modelo de gestão escolar? Existirão professores “mal formados” pelas instituições do ensino superior que, entre outros desvios funcionais, reproduzem o modelo de “turbo-professores” que foi[é?] muito bem aplicado nas universidade e politécnicos? Etc., etc.
Enquanto não se confirmam os diagnósticos e se preparam as soluções, a educação não pode esperar. Desse modo, há que dotar as escolas de um orçamento que lhes permita cumprir [o que está consignado na lei de bases] a sua tarefa pluridimensional. E isso exige, a curto prazo, mais dinheiro!

Anónimo disse...

Oi Professor,
Meu nome é Gabriele Fernandes, sou aluna da Universidade Estácio de Sá, localizada em São Gonçalo- Rio de Janeiro - Brasil. estou escrevendo pois vou fazer uma monografia sobre a importância do blog como instrumento pedagogico, e gostaria muito de saber suas idéias sobre o tema. Se for possível entrar-mos em contato meu email é gabrielefernandes@yahoo.com.br.
Agradeço desde já a tenção!

GABRIELE FERNANDES