2005/03/12

Há trinta anos…


Não fora ser recordado pela reportagem da Sic-Notícias no Jornal da Noite e ontem passava-me por completo o 11 de Março de 1975… E se tenho memórias desse dia! Viajara na véspera para Paris, integrado num pequeno grupo (cinco ou seis pessoas) com representantes de outros Ministérios (para além do da Educação, que me designara a mim) para uma reunião com representantes do Governo francês previsto no âmbito do acordo cultural entre os dois países. Na manhã desse dia tínhamos tido uma reunião no Quai d’Orsay e houve, depois, um almoço oferecido pelo governo francês no Hotel de Crillon, um hotel magnífico instalado num edifício do século XVIII, cheio de requintes… A meio do almoço, que foi excelente, aconteceu algo estranho e pouco protocolar: vemos alguém abeirar-se do nosso Embaixador, na altura António Coimbra Martins e – rompendo o protocolo! – este levantar-se da mesa e sair por momentos da sala. Julgo que todos pensámos que alguma coisa de grave estava a acontecer. O ambiente que deixáramos em Portugal era de cortar à faca, como se costuma dizer… Já depois de o Embaixador ter regressado, comportando-se como se nada fosse, passados uns momentos começou a circular sub-repticiamente um papel no qual se dava conta que houvera “um golpe da reacção mas estava tudo já sob controlo”. Mal nos pudemos levantar da mesa esse “golpe” foi o assunto de conversa. Mas havia pouca informação, apenas a que o Embaixador obtivera pela via diplomática. Agora, todos queríamos era saber mais, mas ninguém conseguia obter ligação telefónica. A reunião da tarde foi penosa. Mal acabou, corri para o Hotel (muitas estrelas abaixo do Crillon, mas um hotel simpático do Quartier Latin) e logo o recepcionista me disse que estavam a dar notícias na televisão sobre Portugal. Descansei: parecia tudo calmo, os incidentes tinham sido longe de minha casa… Mas nessa noite não consegui mesmo telefonar, nem sequer no dia seguinte de manhã. Aliás, as notícias tranquilizadoras acabaram por vir em telegrama que minha Mulher me enviou, percebendo que os telefones não funcionavam (por causa da situação de caos que se vivia em Portugal, claro). Contudo, foi sempre com alguma ansiedade que vivi o resto da minha estadia em Paris e foi com alívio que regressei a Lisboa. Desse tempo, ainda conservo (mas não consegui localizar para poder inserir aqui) um cartoon publicado no Le Fígaro, no qual se representava Spínola, com o seu monóculo, a sair de um avião em Espanha, enquanto um oficial do aeroporto (?) exclamava: “Un gauchiste, ici?!” (recordemo-nos que Franco era ainda vivo; a abertura à democracia em Espanha ainda não se verificara).
Nunca mais esqueci esse cartoon... mas ontem, esqueci o 11 de Março!

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