2005/01/26

Eleições


Estamos a menos de um mês de eleições. Tentei recordar esta manhã, no meu caminho para a Universidade, quais as primeiras eleições de que tenho lembrança. Foram as de 1949 – quando o General Norton de Matos se candidatou à Presidência da República, face à recandidatura do Marechal António Carmona. Tinha 12 anos e estava a viver um período difícil – adoecera com alguma gravidade nos finais de 1948 e estive vários meses enfermo e cheio de restrições na minha vida (que foram desde estar cerca de três meses de cama a ter de desistir da frequência do 2º ano do liceu, em que me encontrava). Talvez por isso lia bastante o jornal (o meu Pai comprava O Século) e recordo-me dessas eleições, em especial da desistência do candidato da Oposição na véspera do acto. Como é óbvio, não tinha ainda uma posição política; em casa dos meus pais havia uma neutralidade política relativa, que muito mais tarde interpretei como a consequência lógica do que o regime ditatorial impôs à maioria dos portugueses que não tinham sido suficientemente estimulados a pensar politicamente.
Voltando às minhas lembranças, é curioso que entre as eleições de 1949 e as de 1958 não recordo de imediato nenhuma circunstância especial, embora tenham ocorrido, quer para a Presidência da República, em 1951, dada a morte de Carmona, quer para deputados da Assembleia Nacional. Mas as eleições de 1958, essas sim, estão bem gravadas na minha memória. Estava nesse ano a concluir o curso de Ciências Históricas e Filosóficas na Faculdade de Letras de Lisboa, e estou certo que o ambiente que rodeou a candidatura de Humberto Delgado e tudo o que se passou de antidemocrático nessa campanha ajudou a consolidar uma posição política hostil ao regime ditatorial no qual vivíamos e que a vida universitária ajudara a construir, embora nunca tenha tido qualquer envolvimento significativo nos diversos movimentos que existiam. Ora uma noite desse ano de 1958, creio que em Maio, fora como era hábito estudar para a Biblioteca Nacional, que nesse tempo funcionava no velho Convento de S. Francisco, partilhando-o com a Escola Superior de Belas Artes. Lembro-me que a Biblioteca fechava às 23 horas. Como de costume, desci o Chiado rumo aos Restauradores, para tomar um dos eléctricos que me podiam levar a S. Sebastião da Pedreira (onde morava). Ora ao chegar ao fim da Rua do Carmo apercebi-me de inusitado movimento no Rossio: fui ver. Polícia por todo o lado, correrias ao longe. Soube depois que Delgado passara por ali...
De então para cá tenho lembranças de diversas eleições antes daquela que mais significado teve para mim, as de 1975, para os deputados da Assembleia Constituinte. Foram as primeiras eleições livres e as primeiras em que votei. Tive, aliás, uma participação cívica como delegado numa das mesas de voto, na Praça de Touros do Campo Pequeno, onde enregelei todo o dia. Na mesa em que estava presente votou uma figura política muito conhecida na época, Arnaldo Matos, do MRPP… Começou a desenhar-se nessas eleições o quadro político do país – o PS a ter 116 deputados e o PPD (era assim que se chamava…) 81. Era o anúncio de uma certa bipolarização, da existência de dois partidos ganhadores que começariam a disputar a hegemonia.
Que diferença, porém, 30 anos decorridos, com o ambiente eleitoral e sobretudo com o grau de participação dos portugueses. Em 1975, votaram mais de 90% dos eleitores! Quantos irão votar no próximo dia 20 de Fevereiro? Em 1975 havia entusiasmo e esperança; quem hoje pode estar entusiasmado e ter muita esperança? E no entanto, é absolutamente necessário que este país recupere ambos. Apesar de ser moderadamente céptico, porque também sou (paradoxalmente?) optimista, quero acreditar que do quase caos em que se mergulhou possa construir-se um futuro melhor.

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