2011/07/05

RECORDANDO…

A propósito do encerramento de escolas e do seu adiamento.

1947, Seixal (na “outra banda”). Tinha terminado a 4ªclasse, os meus pais queriam que seguisse o liceu, mas liceu só existia em Lisboa ou Setúbal (nem no Barreiro havia). Nada que não fosse possível ultrapassar. Fui matriculado no Liceu Passos Manuel, onde as aulas decorriam em dois turnos, terminando, à tarde, pelas 16 horas. Solução: levantava-me às 5 e 45 porque o barco que fazia a carreira Seixal-Lisboa saía às 6 e 20. Regressava a casa perto das 18, já não me lembro muito bem do horário, mas andaria por aí. Creio que devo a essa circunstância ter sido sempre pontual.
1958, Torres Vedras. Nas minhas pesquisas arqueológicas deparei um dia, perto do lugar do Barro, com uma cena que me impressionou: ao pé da paragem da camioneta da carreira, um bando de crianças (dez? doze?) esperava que chegasse a professora, que depois acompanhou, alegremente, mais de um quilómetro até chegarem à escola.

1963, Lamego. Vivia em Viseu e durante três meses fui colocado no Liceu de Lamego. Num dia em que me desloquei de autocarro, encontrei uma moça que fora minha aluna na Escola do Magistério. Tinha sido colocada num lugar que ficava entre Lamego e Viseu (não me recordo do nome da terra). Ia naquele transporte, que a deixava num cruzamento: teria depois de andar cerca de dois quilómetros a pé. Para quem não sabe, o inverno é, naquela região, muito, muito duro.

Ainda em Lamego e no mesmo ano: na minha turma do 3º ano (actual 7º) tinha alguns alunos que moravam em Cambres, uma localidade que ficava a uns quilómetros de Lamego. Vinham e iam a pé. Em Dezembro desse ano caiu um nevão como já não é muito usual ver-se hoje. Mesmo assim, não faltaram.

Nestes mais ou menos vinte anos, embora já se registasse o começo da desertificação do interior, ainda havia um número razoável de crianças que frequentavam as escolinhas que a política de Salazar tinha providenciado em todo o país. Depois, se quisessem estudar (e muitas vezes queriam, mas não podiam) tinham de se deslocar por vezes a distâncias enormes. Em meados dos anos 60 foi criada a Telescola, e dentro dela o CUT (curso unificado, mais tarde renomeado CPTV, Ciclo Preparatório). O que isso representou para muitas crianças! Ainda em 1982, visitei um posto de recepção no lugar de Pinheiro Novo, no concelho de Vinhais. Para lá chegar andei de automóvel quase duas horas, por caminhos quase de cabras, que ficavam intransitáveis no inverno.

Essa era a realidade nesse tempo. Os alunos que podiam estudar, tinham de fazer sacrifícios porque não havia alternativas. Vamos pensar no Portugal de hoje e colocar nos pratos da balança do desejável e do possível o que existe. Eu sei que há quem diga que “fechar uma escola é fechar uma aldeia”, mas pode perguntar-se se a aldeia não fechou antes: provavelmente foi assim.

Já nos anos 80 do século passado, quando estive no Algarve, o presidente da Câmara de Monchique tinha antecipado a concentração de crianças que estavam em pequenas escolas do concelho numa boa escola da sede, com o agrado da esmagadora maioria dos pais (tenho na ideia que apenas três tinham sido contra).

Haverá casos que têm de ser considerados por serem únicos. Muito bem, que sejam estudados. Mas por favor, deixem de lado o argumento de que as crianças sofrem porque andam meia hora de autocarro para chegar à escola ou se levantam uma hora mais cedo.

1 comentário:

Carlos Silva disse...

Fechar a escola não significa 'só', simbolicamente, fechar a aldeia (até porque a ausência de crianças encarrega-se disso, mais cedo do que mais tarde...). Significa o culminar de um longo processo de privação de oportunidades e de serviços por políticas de inviabilização do desenvolvimento harmonioso de todas as regiões do país (seja numa perspectiva micro, como macro), de valorização da interioridade. Ou não tem vantagens? Não somos assim tão grandes para justificar esta desertificação massiva.
Dito doutra forma, de favorecimento de investimentos onde eles serviriam interesses políticos imediatos. E temos uma bola de neve, um ciclo vicioso, como a corrupção...
Alguns exemplos recentes, poucos, que desmentem a inevitabilidade da situação; como não é nem nunca será uma questão "incontornável" (!).
- Os cafés Delta, o Sr. Comendador Nabeiro (preocupa-me 'culturas monolíticas').
- Alqueva e a diversidade de oportunidades criadas (pelos vistos a serem aproveitadas por quem vem de fora).
- A zona de Castelo Branco, em tempos criou um pólo industrial que revitalizou o tecido industrial, a vida económica, gerou riqueza que atrai as pessoas e as fixa.
Deve haver muito mais... São só 3 exemplos de como o país está de pernas para o ar.
Numa pausa, um abraço. Carlos