2005/02/10

A indisciplina na escola (2)


Depois da introdução de ontem, vou hoje expor as minhas ideias acerca da indisciplina na escola. Disse que a indisciplina na escola é um facto preocupante e merece ser analisado. Na verdade não pode dizer-se que é: tem sido sempre. Enquanto fui professor no ensino secundário tive de lidar com situações de indisciplina, uma das quais complicada (um dia contá-la-ei…). Mas eram outros tempos; a violência era então rara.
Propositadamente, não vou invocar muitas teorias e vou usar uma linguagem do dia a dia. Vou apenas lembrar Dewey, que no seu livro Democracy and Education, (que pode aqui ser obtido na íntegra) explica que a razão de a disciplina ser problemática reside na sua própria definição: a disciplina requer quietude, silêncio, uniformidade, conformismo. Penso que estamos todos de acordo que ter uma escola mais silenciosa do que barulhenta é desejável, mas poucos a quererão como o meio de educar para o conformismo e uniformidade. Será preciso assim que exista um equilíbrio entre a necessidade de um ambiente de aprendizagem saudável e um ambiente que permita liberdade de acção.
Talvez seja bom dizer desde já que não defendo nenhum ambiente libertário, isto é, a escola deve ter regras de disciplina interna desde que aceites democraticamente. Quando ontem referia a escola da Ponte, vale a pena considerá-la como exemplo de um ambiente relativamente silencioso com regras que os próprios alunos aprovaram (o Abnóxio pode elaborar sobre isso com bom conhecimento de causa).
Claro que os problemas de indisciplina não se resumem aos alunos barulhentos, hiperactivos: apesar de tudo, são situações que cansam, aborrecem, mas não são graves. Infelizmente, muitas escolas são confrontadas hoje com um tipo de indisciplina que se transforma em violência – violência verbal e física que tem sempre repercussões graves. É para mim evidente que a escola não pode aceitar esse tipo de indisciplina. Mas deve, antes de mais, procurar determinar as suas razões. E deve sobretudo aceitar que os tempos mudaram. A escola de hoje não pode ser assimilada à escola de ontem, mesmo que pareça igual (e de facto parece). Por muito que custe a alguns, a escola já não é primordialmente o lugar onde se vão adquirir conhecimentos impostos, é (deve ser) o lugar onde se desenvolvem contextos de aprendizagem onde cada criança, adolescente ou adulto sente que se transforma por si – e não porque é obrigado a tal.
Então – se se conseguir o milagre de transformar a escola, acabará a indisciplina? Com certeza – não. Porque no mundo dos nossos dias é preciso contar com factores a que a escola é razoavelmente alheia. Tem-se verificado uma certa demissão das estruturas familiares na (boa) educação dos filhos, remetendo para as escolas um papel que devia ser o seu. Quantos alunos não expõem na escola as duas frustrações e agressividade devido aos meios familiares (ou não familiares, em alguns casos) de onde provêm?
O que pode a escola fazer nestes casos? Alguma coisa – se tiver meios: apoio psicológico, claro, e professores que tenham qualidades como tutores. Mas pode não bastar. E nesse caso, se falharem todas as tentativas de resolução de um problema de indisciplina grave e se esse problema estiver a inquinar a vida da escola, a sociedade exige que se tomem medidas de excepção, mas sempre devidamente avalizadas por critérios claros. A expulsão – grau último dos castigos previstos – é uma decisão séria e por isso deve ser caucionada por pareceres de especialistas.
Dito isto, regresso ao desafio do Ser Benfiquista, que aliás, publica um segundo post sobre o mesmo tema. No fundo, ressalvada aquela diferença magna de que me ocupei ontem, concordo (como se vê) com a generalidade dos seus comentários, alguns dos quais sugerem aspectos a que não aludi mas que são reais (alguma falta de formação dos professores, alguma passividade de conselhos directivos). Digo, como ele, que é intolerável que a escola aceite sem reagir actos como agressões a alunos e professores, verbais ou físicas, vandalismos. O que não me parece ser suficiente é exigir do Ministério da Educação medidas vigorosas e consequentes… Todos nós, professores, “somos” do Ministério da Educação (embora eu, espero que transitoriamente, esteja afecto a outro Ministério…). Cada escola deve procurar resolver os seus problemas. Penso – tenho a certeza! – que no dia em que a escola for considerada, no meio onde se localiza, como uma instituição da comunidade, podem ser encontradas mais facilmente soluções para os problemas da indisciplina. As medidas vigorosas e consequentes, tem de ser a escola a tomá-las. E se me disserem que é impossível, porque há circulares e decretos-lei e portarias, só posso responder que por isso mesmo eu escrevia ontem que era preciso coragem para desfazer mitos – e que um deles era o Ministério da Educação. Que medida? Não sei. Cada situação tem de ser avaliada e decidida em conformidade.
Certamente que deixei muitos pontos em branco; poderemos, pelo diálogo, tentar preenchê-los. Para já, ficarei por aqui.

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