Quando ao fim da tarde de ontem regressava a casa, a rádio pôs-me ao corrente de uma comunicação da Ministra da Educação na qual se anunciavam medidas várias tendo de algum modo o ensino-aprendizagem como alvo. Dez minutos depois, já em casa, uma visita ao portal do governo permitiu que lesse, na íntegra, a comunicação da Ministra, que teve lugar numa sessão de divulgação pública dos resultados do PISA-2003. Uma palavra de agrado por ver que a informação foi disponibilizada em tempo e que o portal funciona bastante bem.
Deixemos de lado os resultados do PISA (que todos sabemos não serem favoráveis aos nossos alunos) e centremo-nos antes nas medidas anunciadas. Claro que não sabemos como vão ser implementadas e por isso a crítica fácil (“são medidas avulsas… não se sabe como vão ser executadas”) é possível. Mas independentemente de o serem, é importante aferir o pensamento que lhes subjaz. E estou de acordo com quase tudo o que foi anunciado, com uma excepção que para muitos será um pormenor mas para mim não é (já explicarei porquê). A primeira das três medidas propostas, um programa de formação continua de matemática para professores do 1º ciclo de ensino básico com supervisão das instituições de ensino superior da zona em que se encontram, pode, se for bem concebido e executado, abrir excelentes perspectivas e resolver vários problemas simultaneamente. Já em 1986 (!) defendia, num Colóquio promovido pelo Instituto Francês e pelo Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação, que o futuro das Escolas Superiores de Educação passava por se transformarem em grandes centros de recursos educativos e serem os motores de formação contínua no país, nas suas zonas de influência. Se a elas é cometida a formação inicial, que outra instituição melhor fará a formação contínua?
A segunda medida pretende (ao que parece) restringir o acesso aos cursos de formação de professores do 1º ciclo a alunos com aprovação na disciplina de Matemática. Aplaudo (mas vou ser cínico: iremos ter candidatos, pelo menos nos anos mais próximos?)
A terceira medida desdobra-se em três: alargamento dos horários de funcionamento das escolas do 1º ciclo, nova gestão dos professores de apoio educativo, e alteração das condições de recrutamento dos professores de Matemática do 2º e 3º ciclos, sendo mais rigoroso nas habilitações que permitem o acesso ao ensino.
Para além destas medidas foram deixadas indicações visando outras alterações importantes, como a remodelação do sistema de créditos para progressão na carreira (exigindo 50% de créditos em acções referentes à área disciplinar própria do docente).
A Ministra foi clara dizendo que esta não era uma reforma mas apenas a instituição de medidas de urgência para tentar resolver um problema.
Tudo visto, falta agora transformar as palavras em acções. Para isso, vale a pena reflectir sobre alguns aspectos que podem envolver essas acções.
O alargamento do horário das actividades no 1º ciclo é explicado para permitir “aos alunos beneficiar de actividades extracurriculares como o estudo acompanhado, o inglês ou o desporto escolar”. É este o meu ponto de desacordo, o qual pode ser considerado por muitos uma ninharia mas que para mim não é. Se qualquer actividade pensada pela escola tiver como objectivo que o aluno aprenda, sejam quais forem essas aprendizagens (Inglês ou Matemática, futebol ou natação), essas actividades fazem parte do currículo. Há praticamente trinta anos que tento passar esta mensagem aos meus alunos, a professores que me ouvem em conferências, seminários, acções diversas; na reorganização curricular do ensino básico foi essa a orientação (o estudo acompanhado é considerado uma actividade curricular não disciplinar). É necessário que os professores pensem o currículo como um todo e não compartimentado por actividades diferentes (a aula de Matemática é currículo, mas ser ajudado a perceber a Matemática é extracurricular!). Este aspecto é central para que os professores do 1º ciclo percebam o seu papel como gestores do currículo, e neste caso tem de ser acautelado porque para diversas áreas (o Inglês é uma delas) o professor não vai estar só mas não se pode dispensar de acompanhar os seus alunos.
O post já vai grande; por isso vou deixar “o resto” para mais tarde…
5 comentários:
Ainda não percebi se as actividades extracurriculares são de frequência obrigatória ou facultativa.
Penso que o primeiro comentário feito a este post refere uma questão bastante importante. É que, para os alunos que frequentam outros cursos como, por exemplo, o Conservatório de Música, já é bem difícil compatibilizar os horários das duas escolas. Acresce ainda que o estudo "sério" de um instrumento requer tempo, pelo menos uma hora diária nos anos de iniciação. Se acrescentarmos os deveres, podemos concluir que o que resta é muito pouco ou nenhum. Concluindo: a meu ver,as actividades extracurriculares deveriam ser facultativas, pelo menos para os alunos que se enquadrassem no caso referido.
Ainda não li o que a ministra disse exactamente. Tal como escrevi hoje no meu blog, não me parece que seja por aí. Mas é necessário começar por algum lado. Hoje ainda vou tentar escrever sobre o asunto que é complicadito. Tem tanto que se lhe diga que não acredito muito que tenha sucesso. acho que o caminho não deve ser por aí...
E muito obrigada pelas tuas palavras! Fiquei tão orgulhosa que andei a mostrar a toda a gente :-)
Mas eu realmente escrevo o que penso, não me preocupo muito com as bases científicas do que digo, mas são muitos anos de experiência...
Miguel Pinto, D.V.
A resposta a essa pergunta depende do modo como o ME definir os termos de execução da sua proposta. Em rigor, uma actividade que a escola organiza não deve ser facultativa - por isso eu defender que uma escola não deva ter actividades "extra". Mas a escola pode, ou deve, permitir opções - não faz sentido que um aluno que seja excelente a Matemática frequente actividades de recuperação nessa matéria! Em casos tão especiais como os do Conservatório terão de se achar maneiras de resolver os problemas. O meu ponto é que as respostas educativas não podem ser iguais para todos, e que compete a cada instituição, dentro de um quadro de grande flexibilidade, definir as suas.
Varela de Freitas
Insisto na questão das actividades facultativas porque ela é, a meu ver, essencial para a definição de uma determinada ideia de escola. No seu comentário anterior afirmou que “uma actividade que a escola organiza não deve ser facultativa”. Desse modo, para si, as actividades do desporto escolar e de outros clubes criados ou a criar na escola deverão ser obrigatórias, ao invés do que sucede neste momento? Se a sua resposta for afirmativa, e afastando-me da questão conceptual que merece outro cuidado, reconhecerá a dificuldade da tutela em satisfazer as necessidades das escolas sem incrementar o investimento em recursos humanos e materiais. Estamos a falar de mais despesa o que contraria os discursos demagógicos mais recentes referentes à “estória” da Matemática.
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