2007/03/26

Não é grave, mas…


Não é grave o resultado do concurso sobre o “maior português de sempre” – porque é um concurso, sujeito a todos os condicionalismos de consultas como a que foi feita. Mas… deve fazer pensar. E procurar compreender possíveis porquês. Sendo certo que quem tem hoje quarenta e mesmo mais alguns anos, não viveu nos tempos de Salazar e não se pode dizer que depois do 25 de Abril a sua figura tenha sido bem tratada, e que os mais velhos se dividirão entre saudosistas e opositores; sendo igualmente certo que neste segundo grupo ninguém pode ignorar o progresso enorme do país nos últimos trinta anos de democracia; porquê, então, esta ideia de que Salazar merece ser considerado o “maior português de sempre”? Alinho uma razão: o português gosta de quem exerça a autoridade, perdoando inclusivamente excessos derivados desse exercício, sobretudo quando emergem períodos de grande mal-estar, de confusão, numa palavra, de “bandalheira”.

A propósito: não será muito por isso que o actual primeiro-ministro, tão contestado nas ruas, continua a ser muito bem classificado pelas sondagens?

2007/03/08

Os cinquenta anos da Televisão em Portugal


Sem explicações para o silêncio.

Ao assistir, ontem, ao que se chamou “uma espécie de gala” da Televisão, revivi obviamente muito do que na minha vida se associa à TV. Quando começou o período experimental, em 1956, morava, com os meus pais, mesmo ao pé do parque de Palhavã onde funcionava a Feira Popular (de “O Século”…) e onde o mesmo período experimental decorria. Por dez tostões (um escudo, menos de meio cêntimo na moeda actual…) entrava na Feira, dava umas voltas, e ia olhando para os monitores que transmitiam o que se ia passando no estúdio, junto ao qual estava sempre uma pequena multidão. Confesso que não me lembro do dia 7 de Março de 1957. Claro que os meus pais não tinham televisão, que nessa altura tinha preços proibitivos. Contudo, não demoraram muito tempo a adquiri-la. Curiosamente, depois de me ter “emancipado” e ter casa própria, resisti muito tempo a comprar uma televisão, um pouco desconfiado, e com razão, dos seus efeitos na convivência familiar. A minha resistência quebrou com o regime: no dia 26 de Abril de 1974 (ou teria sido a 27?), logo pela manhã, fui a uma casa de artigos eléctricos na Praça de Londres e comprei uma Panasonic, portátil, para evitar montagem de antena. A televisão passara a valer a pena…

Quem exultou com a compra foi a minha filha (na altura com seis anos) que de há muito a desejava: ainda me lembro que quando lhe disse que ia comprar uma televisão ela abriu a boca de espanto (e não estou a fazer literatura, de facto abriu mesmo a boca!).

Não vale a pena dizer banalidades acerca do que a televisão representou e ainda hoje representa para o mundo. De facto, ela mudou o mundo, e hoje, ajudada por tecnologias cada vez mais sofisticadas, promete mudanças eventualmente ainda mais expressivas.

Gostei de ver a “gala”, ainda que registasse algumas faltas na memória dos 50 anos (mas não se podem reviver cinquenta anos em três horas). Quero deixar aqui aquela falta que para mim mais significado teve: o nunca se ter mencionado expressamente o papel da TV na Telescola, que desde 1965 até à década de 80 desempenhou um papel muito relevante no panorama educacional e que, na sua versão mais conhecida, era dedicada a alunos mas era vista por muitas pessoas que tinham tempo livre à tarde e seguiam as lições apresentadas.

2007/01/24

A. H. Oliveira Marques (1933-2007)


Quando entrei na Faculdade de Letras de Lisboa, em Outubro de 1954, Oliveira Marques começava o seu 3º ano do mesmo curso, o de Ciências Históricas e Filosóficas. Recordo-me dele, jovem como eu, nos claustros do velho convento de Jesus. Um ano mais tarde, Oliveira Marques começou a ser falado com respeito: ia fazer uma coisa raríssima, mas permitida, que era apresentar a tese (na altura, as licenciaturas compreendiam a redacção de uma tese original) no final do 4º ano. A esmagadora maioria dos alunos só depois do curso aproveitava o 5º ano para a elaboração da tese. E – posso dizê-lo – implicava um trabalho imenso ter de satisfazer a todas as disciplinas do 4º ano e, ao mesmo tempo, investigar e redigir a tese. Mas Oliveira Marques fê-lo, e em 1956 defendeu, com brilho, um trabalho que intitulou A Sociedade em Portugal nos Séculos XII a XV. Teve como investigador uma vida cheia e a historiografia portuguesa deve-lhe muito.

Nunca privei de perto com ele – fomos sempre colegas distantes. Mas sempre tive grande admiração pelas suas qualidades, e enquanto professor de história recorri muitas vezes aos seus trabalhos eruditos.

Leio no jornal a notícia do seu falecimento. Era dois anos e meio mais velho do que eu. É um sentimento estranho quando vemos partir quem foi nosso contemporâneo. É a vida...

2007/01/21

Bom senso…


Não penso, como Descartes, que o bom senso seja a coisa que no mundo é mais bem distribuída; e ao longo da vida tenho presenciado muitas situações em que o bom senso esteve ausente. Mas há casos tão flagrantes que ainda me fazem abrir a boca de espanto. O “inquérito” sobre violência doméstica que foi levado a efeito por questionário a alunos das nossas escolas, tal como foi noticiado, por exemplo, pelo Expresso de ontem (acessível apenas por assinatura), é um verdadeiro espanto. E mais espantosa ainda a reacção da coordenadora do projecto, ao que parece técnica do Instituto da Droga e Toxicodependência, Fernanda Feijão, quando acha que se “está a fazer uma tempestade num copo de água”.

A aplicação de questionários em várias situações de investigação é justificável, mas a sua elaboração tem necessariamente de ser muito cuidada e ter em atenção todos os princípios de ética e de deontologia face ao processo que é objecto de estudo. Por outro lado, a falibilidade das respostas a questionários deve levar os seus organizadores a não cederem à tentação de inserir questões de difícil ou inverosímil apreciação por parte dos respondentes. Quem pode esperar dados fiáveis de uma questão como a que indaga se o pai (ou substituto, veja-se a delicadeza!) “obriga a mãe a fazer vida sexual com ele contra a vontade dela”?

Onde estavam os responsáveis do Ministério da Educação quando deram luz verde à aplicação do questionário? Onde andou o bom senso?

2007/01/19

Mudança


Preparo uma mudança – por ora, só do meu gabinete… Dentro de alguns dias, o Instituto onde ainda conservo o meu gabinete vai mudar-se das suas instalações, fora do campus universitário, para um edifício novo, construído em Gualtar, e no qual estarão também os colegas do Instituto de Educação e Psicologia. Agrada-me a mudança – embora afastado da leccionação, de vez em vez irei ao meu novo gabinete e gosto de estar no ambiente multifacetado do campus, encontrar colegas de outras escolas, ver outros alunos.

O problema é decidir o que fazer com os montes de papel que acumulei em mais de dez anos. O espaço em Gualtar é menor do que aquele que tenho aqui. O problema é que tenho sempre uma enorme dificuldade em desfazer-me de documentos do passado: por isso adiei, até hoje, o começo da tarefa. Tenho mesmo de deitar para o lixo, ou melhor, enviar para a reciclagem, todo esse papel, com algumas excepções, claro; e isso obriga a um certo cuidado na análise do que me passa pelas mãos…

Se tivesse tempo, era capaz de digitalizar muita coisa, mas não tenho (nem tempo e talvez nem paciência). Vou meter mãos à obra, e estou certo que nesta tarefa a minha memória flutuará, ao gosto deste blog, com muita frequência… Aqui é uma tese de mestrado que me agradou especialmente e da qual não me quero desfazer; ali, é um dossier de um grupo de trabalho complicado que, por isso, quero igualmente conservar… Ou um jornal com uma notícia que no tempo foi importante… ou uma fotografia… E, sinal dos tempos, uma disquette de 1.44 guardada num envelope da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança da qual não tenho mesmo memória alguma…

Apesar de tudo, não vai ser desinteressante este trabalho!