Aproximar-me de Lisboa foi a razão de ter concorrido para o Funchal, com a certeza de ser lá colocado. Já conhecia a Madeira, por nas minhas viagens para os Açores os navios lá fazerem escala e em princípio estar um dia inteiro com tempo para visitar a cidade e até os arredores. O Funchal era à partida uma cidade simpática, com muita vida, já com ligações aéreas diárias, pelo que a opção se justificava. Até podia ler os jornais no próprio dia da sua saída, o que não acontecia nos Açores. Eram mais caros (muito mais caros: se não me engano, quadruplicavam o preço!).
Em meados de Setembro de 1968, com o país à espera de saber o que ia acontecer (Salazar caíra da célebre cadeira no forte de S. Julião da Barra, nos princípios de Agosto, fora operado e tudo indicava que não recuperaria) parti para o Funchal no paquete do mesmo nome. Desta vez, ia comigo a família: a minha filha nascera em Janeiro desse ano, o clima do Funchal não assustava, e por isso decidimos, com parca bagagem, empreender a mudança.
Não era difícil, na altura, encontrar casas mobiladas a preços compatíveis (é como quem diz…) com o vencimento de um professor no Funchal. Começámos por alugar um rés-do-chão de uma moradia na Rua do Conde de Carvalhal, bem no alto na direcção leste, com uma vista esplendorosa sobre a baía, mas que tinha um inconveniente: era ameaçada permanentemente por baratas, em especial baratas voadoras, uma espécie nojenta que encontrávamos a espaços na cozinha, na casa de banho, no quarto…
A decisão de sair aconteceu quando um dia encontrámos uma intrusa na cama da minha filha, com apenas 9 meses…
Foi-nos dito que na parte ocidental da cidade não havia tantas baratas, e por isso a minha Mulher pesquisou e encontrou, perto do Estádio dos Barreiros, na Ladeira da Casa Branca, uma moradia pequenina mas muito funcional, também com excelentes vistas de um terraço e um pequeno jardim com bananeiras. E foi aí que vivemos o resto do ano. Não ficava perto do Liceu, mas havia transporte e de manhã eu gostava de caminhar, numa viagem de cerca de meia hora, porque raramente chovia e não fazia frio no Inverno. O tempo mais quente e menos salubre é apenas em Agosto, e nesse mês não estive lá. Além disso a cidade é tão florida, tem uma vegetação tão exuberante, que o passeio era estimulante.
Foi um bom ano. Aprendi a gostar de anonas, esse fruto maravilhoso, e naturalmente comi quilómetros de bananas.
Duas memórias interessantes da minha estadia. A primeira reporta-se ao fim do ano. Aguardávamos, claro, o fogo de artifício. Ora no dia 31 de Dezembro de 1968 desaba uma tempestade na ilha, e quando digo tempestade foi mesmo uma tempestade; chuva torrencial, vento ciclónico, tudo junto deu cabo dos postos onde o fogo estava armado, inutilizando-os e impedindo o espectáculo. Creio que no dia 2, já com tempo melhor, ainda queimaram umas peças que tinham sobrado, mas muito fraquinhas.
A segunda respeita a Fevereiro de 1969. Um dia cheguei ao Liceu, de manhã, e disseram-me que tinha havido um grande tremor de terra em Lisboa. Aliás, houve quem jurasse tê-lo sentido no prédio mais alto do Funchal. Eu não sentira nada! Depois, foi a espera de poder contactar com a família em Lisboa, porque os telefones não funcionavam. Mais uma vez escapei de um tremor de terra!
Gostei bastante de estar na Madeira. No Liceu havia gente simpática e menos simpática, mas dei-me bem e deixei amizades. Os alunos eram agradáveis. Desta vez tive aulas de História do 3º ano (actual 7º), as quatro turmas, e ainda Filosofia dos cursos complementares.
Tinha aulas todas as manhãs, das 8 à uma da tarde. Muitas vezes depois de almoço voltava ao Liceu para estar com os alunos em actividades que se chamavam “circum-escolares”.
Foi também no Funchal que fui convidado por um grupo de professoras do ensino primário para o que hoje se chamaria uma acção de formação sobre metodologias de ensino-aprendizagem, a primeira de largas dezenas (ia escrever centenas mas seria exagero) que depois concretizei.
Lia semanalmente um jornal que se tornou um símbolo, O Comércio do Funchal, o jornal cor-de-rosa de que fui depois assinante até ao seu encerramento. Nele debutou o Vicente Jorge Silva.
Creio que nesse ano o Alberto João não estava na ilha, e mesmo que estivesse certamente não seria notado…
Voltei várias vezes à Madeira, antes e depois do 25 de Abril. E devo dizer que se há lugar no país que tenha mudado, esse lugar é a Madeira. Quase tudo, a não ser a beleza natural, mudou. E não são só as auto-estradas e vias rápidas que merece a pena salientar, são também as estradas que servem lugares perdidos nos vales e que outrora não existiam. Talvez se tenha construído demais, mas mesmo assim a Madeira continua a ser um belo lugar para viver.