2006/07/21

Pausa


As poucas pessoas (algumas amigas, outras que considero amigas, e, no fundo, todas as outras) que visitam A Memória interrogam-se sobre a ausência de posts.

Merecem elas uma palavra, de facto. É um paradoxo que passando teoricamente a ter muito mais tempo livre tenha restringido a publicação, a ponto de quase a suspender. Ou não é afinal um paradoxo. Com mais tempo livre, abri-me mais à informação que a comunicação social – imprensa, rádio, televisão, os próprios blogs – me disponibiliza diariamente. E isso não tem ajudado. O que leio, e vejo, preocupa-me. Parece que parte do país ensandeceu e está, irresponsavelmente, a encurtar o caminho para o abismo. Impacienta-me a falta de lógica na interpretação do que acontece, como me desgosta a demonstração da incompetência a vários níveis. Preciso de perceber como combater o desencanto: e ainda não consegui.
Por isso estou numa pausa. Neste momento, escrever no blog não me cativa, como não me apetece comentar blogs amigos que visito. Não digo que a Memória vá acabar. Mas certamente não irei retomá-la tão cedo.
Até à próxima!

2006/07/03

A educação em debate (2)


Uma semana antecipadora de férias – um conceito que certamente vou ter de rever, dada a situação de descartado de serviço efectivo me permitir sentir-me em férias sempre que eu queira – serviu para prolongar a reflexão sobre o momento por que passa a discussão acerca da educação que temos. Alguns dos meus leitores deram-me razões para pensar que vale a pena, serenamente, ir preparando o futuro.

Nada do que se passa aqui é diferente do que se passou noutros países (e ainda hoje passa): às perguntas “para que serve a escola?” ou “para onde vai a educação?” podem existir várias respostas, que reflectem, necessariamente, posições pessoais, construídas sobre pressupostos que eu designarei abrangentemente como filosóficos, já que derivam de concepções acerca da natureza humana, da sociedade, da vida.

Há assim quem pretenda que a educação seja um benefício para todas as crianças (restrinjo-me agora a este grupo etário) e quem defenda princípios de selectividade logo nesta fase básica do desenvolvimento.

Há quem pense que o essencial da educação básica é fornecer à criança os instrumentos para que possa aprender (as linguagens: ler, escrever, fazer contas) e quem pense que o essencial é ensinar matérias que constem de programas claramente definidos.

Há quem pense que é necessário que as crianças aprendam na escola como trabalhar em grupo, no sentido de desde muito cedo adquirirem competências sociais, e quem pense que esse tipo de actividade é inútil e até prejudicial.

Há quem pense que os exames periódicos, universais, são indispensáveis porque só assim as crianças são levadas a aprender, e quem pense que os exames são provas pouco credíveis e que por isso devem ser evitados.

Estas posições existem entre nós, e existem em qualquer país do mundo, que ninguém duvide…
Felizmente, a pouco e pouco o desenvolvimento científico alargou o campo de contribuições válidas para pensar a educação: a psicologia por um lado, a sociologia por outro, alargaram o conhecimento das crianças, adolescentes e adultos enquanto estudantes, dos seus comportamentos individuais e em sociedade.

Foi então possível que a educação, como um todo complexo no qual coexistem várias disciplinas, emergisse como uma área científica, acolhida nas Universidades dos países mais evoluídos relativamente cedo: o Instituto de Educação da Universidade de Londres festejou há quatro anos o seu centenário, e nos Estados Unidos a Universidade de Colúmbia desde 1898 publica a revista Teachers College Record, que tem, pois, a provecta idade de 106 anos!

Entre nós, gorados alguns esforços para termos o passo acertado, aceitou-se que as Faculdades de Letras oferecessem cursos de ciências pedagógicas para quem queria ser professor, mas só nos anos 70 a educação entrou a sério na Universidade. Não foi fácil a sua aceitação, mas passados 30 anos creio que a comunidade científica deixou de ter dúvidas acerca do seu interesse e mérito. Não toda, é verdade: mas deixemos democraticamente que quem quiser se expresse, e se sujeite, claro, ao contraditório…

Por isso eu espero pelos tais fóruns de discussão que não quero restritos a quem se dedica à educação. Com uma ressalva: que os que neles entrem não combatam factos com opiniões!

Como modesta contribuição para o debate, vou tentar em futuros posts evidenciar alguns pontos quentes da discussão actual.

2006/06/25

A educação em debate (1)


Imprensa, rádio, televisão, blogs, têm nas últimas semanas acolhido um número invulgar de notícias e comentários sobre educação. Esta enxurrada de ideias pode vir a ter o mérito de, passadas as primeiras ondas de choque, provocar reflexões menos apaixonadas que sirvam para a elaboração de uma agenda que contribua para uma renovação do processo educativo em Portugal.

Neste momento, pode ser difícil aos professores serem serenos – mas nunca deveria ter sido ou ser ocasião para perderem a dignidade. Ainda há poucos anos recordo-me que num inquérito à escala nacional os professores apareciam muito bem cotados na opinião pública entre diferentes profissionais. Às referências infelizes da Ministra da Educação deveriam ter sabido responder com altivez e não com as armas do arsenal sindicalista e da má criação. Costuma dizer-se que quem não deve, não teme: pessoalmente, sempre me incomodei muito pouco com o que potencialmente pudesse ser argumentado contra mim, profissionalmente ou em qualquer outra área, se tivesse a minha consciência tranquila.

Mas regresso ao período inicial. Pode acontecer que todo este alarido venha a ter como feliz consequência que os reais problemas da educação possam vir a ser discutidos não na praça pública, como agora são, mas nos fóruns próprios – e onde, quer queiram os comentadores iluminados quer não queiram, têm de estar os que se têm dedicado às ciências da educação. Não para proclamarem as suas verdades como únicas, mas para fundamentarem o que sabem ser certo ou o que pensam dever ser melhor para a escola portuguesa. E, de algum modo também, para terem o direito de defesa!

Seria insensato dizer que tudo o que tem sido escrito, mesmo sob a influência de uma espécie de ódio incompreensível, é errado ou não merece consideração. Tão insensato como aceitar que esse tudo é integralmente correcto.

Deixemos pois assentar as águas. Esperemos que as decisões a ser tomadas pela Ministra acabem por ser aceites por quem tem de as executar – e para isso a própria Ministra não deve deixar de escutar razões e interrogar-se sobre elas.

Os próximos meses vão ser cruciais, mas as coisas hão-de melhorar. Preparemo-nos para, nessa altura, arrumar ideias e se possível a própria casa.

2006/06/20

Fraude, copianço…


O estudo que foi divulgado no domingo pelo Diário de Notícias não é muito surpreendente, se bem que “copiar nos exames” implique que quem elabora os exames “colabore”, de algum modo, com quem use o processo para ter uma classificação aceitável. De facto, um exame pode ser sempre elaborado de tal forma que minimize o “copianço”…

Mas esta notícia fez-me recuar uns quarenta e tal anos, quando o país soube com espanto de uma fraude cometida nos exames (julgo que do então 7º ano) no Liceu de Lamego, uma fraude que deu brado pelo seu ineditismo e, ao mesmo tempo, por que não dizê-lo, pela engenho revelado.

Tanto quanto a minha memória guarda, apareceu em Lamego um jovem, acompanhado por um irmão, para fazer alguns exames. Instalaram-se ambos numa Pensão. O rapaz trazia um enorme penso a cobrir um dos ouvidos, esclarecendo a toda a gente, sobretudo os colegas, que tivera um acidente, o que, evidentemente, até lhe terá valido uma dose grande de simpatia…

Ora bem, na altura de um dos exames, creio que de Matemática, um rádio-amador local detectou uma conversa estranha que momentos depois depreendeu ser a propósito da resolução de problemas de um exame. Tirando-se dos seus cuidados, foi ao Liceu, contou o que ouvira e não foi difícil ao Reitor (creio) perceber, ainda que espantado, o que se passava.

O jovem não tivera acidente algum, simplesmente o ouvido entrapado ocultava um emissor-receptor rádio; em casa, a algumas centenas de metros, o irmão do jovem tinha sido posto ao corrente do enunciado do exercício e, mais conhecedor da matéria, resolvia os exercícios e comunicava as soluções ao examinando.

Claro que descoberto o estratagema foi tudo por água abaixo, não me recordando agora se para além da perda do ano houve sanções mais graves para o prevaricador.

De qualquer modo, e tendo em atenção que tudo isto se passou há mais de quarenta anos, não se pode dizer que estávamos tecnologicamente muito atrasados…

Tenho mais um episódio de exames e de fraudes para contar, mas fica para depois…

O nosso feitio …


Quanto mais leio Eça maior respeito tenho pela sua argúcia na leitura do país e na maneira como nos transmitiu, com uma ironia fina, o seu pensamento. Recordo com frequência trechos que quase sei de cor quando os posso aplicar ao que vai acontecendo agora neste país. E ontem, dei por mim a recordar um trecho de Os Maias, uma troca de palavras entre Carlos e Cruges quando se dirigiam a Sintra. É este:

- Ninguém faz nada, disse Carlos espreguiçando-se. Tu, por exemplo, que fazes?
Cruges, depois de um silêncio, rosnou encolhendo os ombros:
- Se eu fizesse uma boa ópera, quem é que ma representava?
- E se o Ega fizesse um belo livro, quem é que lho lia?
O maestro terminou por dizer:
- Isto é um país impossível...


Esta ideia de que vivemos num país impossível é muito actual. Cultivamos com esmero a ideia de que caminhamos (e alegremente!) para o abismo, e qualquer sinal de mudança é desvalorizado, qualquer pequeno êxito é escamoteado. Temos sido inconscientes, sim, mas parece que se começou a perceber que se tinha chegado ao ponto de não evitar mais as decisões difíceis. Não seria tempo também de procurar ser mais optimista do que pessimista? Não seria tempo de deixarmos de pensar que este país é impossível?

2006/06/16

Para pensar


Não vi imagens da manifestação dos professores na televisão. Mas na minha visita quotidiana aos Marretas deparei com esta informação, por uma vez mais séria que brincadeira (título “Belos Exemplos”).
E procurando não cair em demagogia: são estes os professores que se incomodam com a grosseria dos alunos? Que pena mereceriam no elenco daquelas que gostariam que a escola aplicasse aos alunos "execráveis"?

2006/06/12

Helsínquia

A Universidade de Helsínquia
Passei quase doze horas em Helsínquia, num dia invulgarmente favorável, com muito sol, e com um “Helsinky card” na mão que me permitia viajar em qualquer meio de transporte, entrar gratuitamente em Museus, e até ter descontos em diversos locais. Saí de Riga às 7e 25 e uma hora depois aterrava em Helsínquia.

As primeiras impressões, mantive-as ao longo do dia. A cidade, e por extensão certamente toda a Finlândia, é muito arrumadinha, está tudo muito bem pensado, com um aproveitamento excelente da rede de transportes, o que é vital numa cidade.

Não me impressionou excessivamente… É uma cidade interessante, mas no conjunto não deslumbra. Um ponto muito positivo: em Helsínquia circulam ainda os “tramways”, ou seja, carros eléctricos não poluentes e relativamente rápidos. A rede de autocarros tem uma malha conveniente, e há apenas uma linha de metropolitano que liga a cidade a localidades nos arredores. O uso do euro facilita – mas é melhor não fazer comparações de preços… Uma curiosidade: disseram-me que na Finlândia não se cunharam moedas de 1 e 2 cêntimos, pelo que o que for a mais ou menos de 5 cêntimos é de imediato arredondado. Países ricos…

2006/06/09

Solução radical


Segundo a Visão (secção “Em Foco”, p. 32 da edição de ontem, 8 de Junho) Maria Filomena Mónica, “socióloga, referindo-se às novas medidas que o Governo pretende aplicar aos professores”, terá dito: “A raiz de todo o mal é o Ministério [da Educação], que tem não sei quantos grupos de trabalho, que deviam ser pura e simplesmente extintos com napalm”.

Vamos apenas sorrir, lamentar, indignar, ou responder ao mesmo nível: “E não se pode exterminá-la?”

2006/06/08

Tanta confusão!


Tenho ouvido mais rádio e visto mais televisão a horas em que o não fazia – e por isso tenho apanhado os célebres “fóruns” da TSF de manhã e as emissões interactivas da SIC-Notícias e da RTP-N da tarde. É excelente que toda a gente se possa pronunciar – mas é confrangedor por vezes ouvir o que se ouve. Levo em consideração o perfil de quem depõe, e benevolentemente aceito em nome da liberdade de expressão as tolices que se dizem.

É mais complicado aceitar que pessoas com responsabilidades imitem os que as não têm e digam o que, por vezes, dizem. A propósito das medidas sobre as actividades de enriquecimento curricular anunciadas ontem pelo Ministério, tenho ouvido (e lido) afirmações que só podem ser proferidas por haver muita confusão acerca do que está em causa. Vejam só esta pérola da Fenfrop, divulgada hoje pelo Público. Transcrevo, por não estar online: “As expressões artísticas e físico-motoras e o estudo acompanhado têm feito parte das 25 horas curriculares semanais do 1º ciclo, a par de disciplinas como a Matemática. No próximo ano passam a ser extracurriculares (texto da jornalista) … o que representa (segundo a Fenfrop) «uma concepção conservadora do currículo muito próxima da que foi desenvolvida pelo salazarismo»”. Eu pensava que dirigentes sindicais tivessem um mínimo de compreensão sobre currículo: mas não têm. As actividades de enriquecimento curricular, previstas no Decreto-lei 6/2001, são actividades curriculares, planeadas pela Escola e desenvolvidas para criar oportunidades de aprendizagem, em meu entender permitindo ter em conta uma saudável individualização. Por outro lado, como o Decreto-lei não foi revogado, não se percebe que se diga que as expressões e o estudo acompanhado “saiam do currículo”… Com certeza permanecem. Logicamente.

Podem existir constrangimentos vários que sejam obstáculos a um bom desenvolvimento deste plano – o que não se pode dizer é que ele seja um retrocesso para uma concepção conservadora de currículo.

Anote-se que neste caso a própria jornalista errou, não foi apenas a fonte sindical.

2006/06/06

Ainda a avaliação dos professores pelos pais


O tema interessou-me, na verdade! E fiz o que devia: um quarto de hora de pesquisa na Internet mostrou-me que já existem tentativas (e experiências), suficientemente recentes e em escala reduzida, que confesso não conhecia. Para quem quiser aprofundar o tema, veja aqui uma ficha e avaliação usada na Airdrie Koinonia Christian School, em Calgary, Alberta, Canadá, e leia aqui um texto de Pam Belluck, jornalista do New York Times, “Schools to seek parent role in evaluating teachers”, referindo o distrito escolar da cidade de Rochester (Washington) – artigo de 1997.

Vale a pena explorar o site da cidade de Airdrie, tentando perceber por que talvez aí possa haver sucesso com a ideia, e ler nas entrelinhas do artigo as muitas dúvidas e incertezas da sua implementação em Rochester. Uma visita ao site do Rochester City School District (ver aqui) não permite saber se hoje, em 2006, existe ou não o sistema de avaliação do trabalho dos professores pelos pais.

Independentemente de tudo isto, não esquecer que nunca se devem importar práticas sem uma análise de situação local que evidencie as possíveis fragilidades (ou pontos fortes!) de uma qualquer adaptação.

2006/06/05

Uma palavra mais sobre a proposta de avaliação dos professores


Tive alguma dificuldade em compreender plenamente as razões do alarido que por aí vai sobre a educação: bastou estar fora, não ler os jornais e não ver televisão, para perder linhas importantes. Creio que neste momento já compreendi, sobretudo depois de ler a proposta de alteração ao regime legal da carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, na qual se inserem as disposições para a avaliação dos professores. Também vi a entrevista da Ministra Maria de Lurdes ao “Diga lá, Excelência” e li algumas referências às declarações na Maia.
Reportando-me a um post anterior, em que eu dizia que queria ser cauteloso quanto à interpretação do que se propunha, tinha razão. Não merecia a pena grande poder de fogo contra a Ministra por causa da participação dos pais na avaliação dos professores, o que eu escrevi servia: demagogia pura.

O pior é que a demagogia compensa e há uma maioria que está de acordo com a ideia. Afinal, há mais pais do que professores…

Ora estes, como qualquer outro profissional, devem ser objecto de avaliação. E aceito, sem nenhum constrangimento, que os parâmetros de avaliação sejam mais latos do que aqueles que possam ser obtidos em contexto mais fechado, ou seja, em círculo de pares (como aliás acontece na Universidade quando estão em causa decisões de carreira). Penso, por exemplo, que os alunos (a partir de uma certa idade) possam ser integrados em esquemas de avaliação dos seus professores. Alargar o círculo para a esfera do social – incluindo os pais – é totalmente desprovido de sentido. Não se vê como possam os pais “apreciar… a actividade lectiva dos docentes” (alínea h) do art. 46º da proposta) a não ser pelo que lhes é contado pelos filhos e muito indirectamente pelos produtos da disciplina que eventualmente possam ser exibidos por eles. Quando a senhora Ministra diz que o peso desta avaliação é muito pequeno (não teve a coragem de dizer que é insignificante) ocorre perguntar para que é que ele vai existir.

Que outra categoria profissional está assim exposta ao arbítrio de juízes em segunda mão?

Mas já que li a proposta, deixem-me fizer que em era de “simplex” o esquema da avaliação dos professores é bem “complicadex”. Se for concretizado como está, vai instalar-se uma enorme burocracia nas escolas! E duvido que funcione.

Lamento muito o rumo que as coisas estão a tomar no Ministério da Educação. Continuo a pensar que foram tomadas decisões importantes, mas é preciso ter uma visão muito mais realista da escola do que aquela que a Ministra tem. Ela está certa quando diz que a escola é uma organização e tem de funcionar como tal; mas a organização só funciona com pessoas, e quer goste quer não, essas pessoas têm de ter motivação. E na verdade, a senhora Ministra é muito pouco motivadora…

2006/06/02

Riga – exemplos de arte nova

Deixo alguns exemplos (muito poucos, porque há dezenas na cidade) de edifícios construídos seguindo o estilo arte nova. A maior parte estão nas ruas Elizabetes e Alberta, mas há muitos espalhados pela chamada cidade velha.









2006/06/01

O perfume das tílias


Que maravilha! As tílias da Avenida Central já perfumam o ar que respiramos, e ontem senti-o pela primeira vez este ano. Para quem está condenado ao horroroso cheiro a frituras do Mac Donald’s, a floração das tílias e o seu perfume é uma bênção!

2006/05/31

Pais a avaliar professores?


Confesso que estou cheio de curiosidade para saber quais são as propostas que o Ministério da Educação vai concretizar para dar corpo ao que foi anunciado; que pais podem vir a avaliar professores. A notícia, de que tive conhecimento no regresso da minha viagem, na qual, sem acesso à Internet, fui privado de saber o que se passava no país, deixou-me perplexo, e apenas me ocorre uma palavra para a qualificar: demagogia. Demagogia, e perigosa: porque pode revelar um grande desconhecimento sobre o que seja avaliação de um profissional na casa que gere a educação no país.

Eu defendo que a escola, os professores, têm de ter um diálogo mais intenso com os pais, directamente ou através das associações representativas; que devem ter em atenção as suas opiniões, depois de analisadas com muita sensatez. Mas colocar nas mãos dos pais (ou encarregados de educação) qualquer avaliação directa dos professores, seja qual for o seu formato, não é de modo algum aceitável.

O excesso de voluntarismo em querer inovar deve ter limites. Tenho apoiado medidas que considero sensatas deste Ministério. Parece-me (e sou cauteloso porque me faltam as propostas do modus faciendi) que esta é uma medida totalmente desajustada, sem qualquer base que a possa legitimar.

Escuso de dizer que sou por uma avaliação dos professores, uma avaliação séria, e que tenha consequências, ou seja, que incentive os melhores e puna os piores. Mas nessa avaliação não podem entrar, directamente, os pais.

2006/05/30

Riga, a capital do Báltico?

Parece que desde sempre Riga foi uma cidade que mereceu a atenção de quem a visitava, e li referências considerando-a a capital do Báltico ou a Paris do Báltico. Ressalvando as proporções há na verdade aqui ou além, na cidade velha, ou seja, no que se poderia chamar o centro histórico, traços que nos podem fazer lembrar a capital francesa. Como prometi, publico algumas fotografias de diferentes zonas da cidade.

Monumento que recorda 1991 - quando Riga
se libertou da ocupação dos russos (1945-1991)


Rua na cidade velha

Um dos parques da cidade. Ao fundo, a Ópera.

Casas numa praça do centro de Riga

Tenho mais fotografias de edifícios "arte nova", a publicar noutro post.


2006/05/29

Alguns dias diferentes


Passei agora meia dúzia de dias pertinho do mar Báltico, o que nunca fizera antes. Tenho, pois, alguns posts em perspectiva para além deste. A minha base de estadia foi Riga, a capital da Letónia, mas desloquei-me a Helsínquia por um dia. Se em relação a Helsínquia tinha expectativas que não foram iludidas, em relação a Riga devo dizer que fiquei verdadeiramente surpreendido com o que encontrei. Por muito que se leia, só o ver, o estar, nos dão a percepção correcta da realidade.

A cidade, cujo centro histórico foi considerado pela UNESCO património mundial, é magnífica, sobretudo pelo conjunto de edifícios do estilo arte nova, que se sucedem em algumas ruas, qual deles o mais espectacular. Mas também são de referir os amplos parques, a excelente rede de transportes, a vida cultural intensa, enfim, um conjunto de razões para a minha surpresa e até encantamento.

E tudo isto apenas quinze anos depois da Letónia se ter libertado da tutela comunista (1991). Porque é bom não esquecer que o país esteve longos 51 anos ocupado – primeiro por tropas russas, logo a seguir alemãs e depois de 1945 de novo russas – uma ocupação dolorosa que está documentada num museu cheio de interesse. E durante esse tempo a língua letã, que mais ninguém fala senão os pouco mais de milhão e meio de letãos (ou lactvianos), manteve-se viva e continua viva.

Calcorreei as ruas da cidade, que em Maio acabou de sair de um Inverno rigoroso mas mesmo assim, para quem vem do sul, ainda supõe um suplemento de abafo, de máquina fotográfica sempre pronta. Escolherei algumas das fotos para dar uma ideia daquela que é considerada a capital do Báltico.

2006/05/22

Os lugares onde vivi (Faro – 1983-1993)


De regresso de Londres, fiquei em Lisboa até ao fim de Janeiro de 1983, tendo trabalhado no Instituto de Tecnologia Educativa, por algum tempo na Direcção-Geral do Ensino Secundário e, finalmente, ainda alguns meses na Secretaria de Estado da Administração Escolar, como assessor de João de Deus Pinheiro. Passo pois sobre esse viver em Lisboa, que tem sido sempre a minha base de residência.

Nos começos de 1983 fui convidado para ingressar na comissão instaladora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Faro, e sem muita hesitação aceitei.

Apesar de a minha Mãe ser algarvia (natural de Silves) só tarde fui, pela primeira vez, ao Algarve, numa excursão da minha turma do então 6ºano do Liceu D, João de Castro, realizada no final do 2º período de aulas, fins de Março (isto em 1953…). Passeio que recordo com nitidez, e por isso tenho bem na memória um Algarve que não tem nada a ver com o de hoje: um Algarve ainda longe do turismo como modo de vida.

Depois dessa primeira visita, regressei algumas vezes mas, dizendo a verdade, nunca me entusiasmei muito com o Algarve até ao ano em que decidimos passar uns dias das férias de verão em Pedras d’El-Rei. Descobri aí o Algarve dos dias longos, serenos, da luminosidade sem par, dos odores incríveis, como o das romãzeiras, da fruta maravilhosa. Entusiasmei-me com Tavira, e pensei que seria bom viver aí.

De Fevereiro de 1983 a Dezembro de 1988, praticamente seis anos, vivi pois no Algarve – não em Tavira mas em Faro. Durante cerca de um ano instalei-me, com outros colegas desses tempos pioneiros do Instituto Politécnico de Faro, num andar da zona da baixa da cidade, na Rua de Santo António; depois, passei a habitar num apartamento próprio, perto do Hospital, um 10º andar com vistas espectaculares para o mar e para a serra, avistando-se de Olhão até aos altos de S. Brás de Alportel.

Independentemente de esse período da minha vida ter sido excelente, tendo-me dedicado inteiramente a ajudar na construção da Escola Superior de Educação, gostei de viver na cidade. Embora o período de verão fosse um pouco mais complicado, nessa altura os turistas não paravam muito em Faro, e desde que se evitasse circular pela Estrada Nacional 125, o que com um bom conhecimento das estradas secundárias era possível, passavam-se bem os meses de calor e sempre se podia dizer que se tinham passado as férias no Algarve…

Contrariamente ao que se ouvia dizer, achei os algarvios acolhedores mesmo para quem não era turista, interessados no desenvolvimento daquela que é, na verdade, uma região natural de Portugal. Conheci relativamente bem todo o Algarve, o da Serra, do barrocal, do litoral. Apreciei a culinária algarvia muitas vezes desconhecida do grande público. Contemplei paisagens excepcionais.

Como disse, profissionalmente, tive enorme satisfação com o que fiz. Quando cheguei a Faro, mostraram-me uma quinta na qual se estavam a cavar alicerces; quando de lá saí, deixei uma escola a funcionar num campus bem agradável.

Em fins de 1988, contudo, começava a ficar cansado – foram cinco anos de grande esforço, com muitas viagens, muitas reuniões, muitas emergências para resolver. E por isso aproveitei uma oportunidade para fazer uma pausa e parar para estudar e fazer o doutoramento adiado. No dia 1 de Janeiro de 1989 parti para os Estados Unidos da América, onde iria ficar três anos e meio. Quando regressei, ainda fiquei mais um ano em Faro, que abandonei definitivamente em Julho de 1993.

2006/05/16

Prós e Contras – post em estilo telegráfico


Creio que já uma vez me referi a este programa de televisão como um dos que se deve ter em consideração. De uma maneira geral, dão uma boa imagem do que somos (plural de conveniência, claro…) quando estão em causa temas polémicos. O de ontem, sobre o encerramento não de maternidades mas de locais onde em certos hospitais se assiste a parturientes, entristeceu-me. A política está, mais uma vez, a mostrar o seu lado viscoso, a atirar para o sujo. Num tema tão sério é lamentável. Por isso, as declarações que hoje li de Manuela Ferreira Leite fizeram com que a minha admiração por ela aumentasse. Muito bem!

2006/05/12

Que topete!

Um "comentador" ter-se-á apercebido que este blog prestava atenção especial à educação e resolveu enviar a seguinte mensagem (que aliás pode ser lida nos comentãrios a um dos posts anteriores).

At 8:54 AM, edwardprice6751066742 said…

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Palavras, para quê?

Multas…


Leio no Público que de acordo com nova legislação, os banhistas que desrespeitarem os sinais dados pelas bandeiras vermelha e amarela (no que se refere a “ir ao banho” ou a “nadar”) estão sujeitos a multa que pode chegar até € 1,000 (ou seja, duzentos contos na última moeda portuguesa). Nada a dizer quanto à dureza do castigo – muitas dúvidas em relação ao modo de cobrança… Quem fiscaliza, quem multa, como é paga a multa? Isso deve estar previsto, mas mesmo assim, estou a ver um cidadão temerário que se afoitou ao mar com a bandeira vermelha, regressado à praia, a pingar, a ser abordado por um fiscal, fardado (se não tiver farda não tem graça) entregando-lhe um papel: “Faz favor passe para cá quinhentos euros…”

Brincadeira à parte, isto fez-me recordar que nos começos dos anos 50 do século passado havia uma disposição (não sei se nacional se local, em Lisboa) que proibia, sob pena de multa, atravessar as ruas em diagonal. Repare-se: não existia ainda o conceito de faixa reservada a peões, ou seja, era permitido atravessar uma rua desde que fosse em linha recta perpendicular ao passeio. Quem aplicava a multa era a polícia.

Um dia, eu teria os meus quinze anos, talvez, na Avenida Ressano Garcia, onde eu morava, e que ao tempo era uma rua quase sem trânsito, caí na patetice de a atravessar numa longa diagonal. Quando cheguei ao outro lado, lá estava o polícia de dedo em riste. E não é que tive de pagar a multa? O valor da dita era 2$50 (vinte e cinco tostões, como se dizia: qualquer coisa como um cêntimo e pouco dos nossos dias – mas sem correcção, claro). De qualquer modo, para um rapazola era dinheiro – dava para ir ao cinema para os lugares mais baratos…

Não tenho ideia como essas multas acabaram, mas como nunca mais vi ninguém ser multado, tenho a impressão que eu terei sido dos poucos a sentir o peso da lei.

A terminar: não quero que fique a impressão que sou contra a tentativa de eliminar nas praias comportamentos de risco; apenas me pergunto como vai ser na prática a acção preventiva e punitiva.

2006/05/11

O Ministro da Educação argentino


Na Argentina, o Ministro da Educação decidiu que em todas as escolas iriam ser colocados televisores para que os alunos (e professores, claro) pudessem ver os jogos do campeonato do mundo de futebol que se vai disputar em Junho na Alemanha nos quais participe a equipa nacional, uma vez que a maior parte dos jogos são em dias de semana e a meio da tarde (por causa da diferença horária). A medida, diz ele, tem como objectivo fazer com que os alunos não faltem às aulas.

Mas o Ministro disse mais: que esperava que os professores aproveitassem os jogos para nesse dia, ou nessas aulas, ligarem o evento desportivo ao trabalho escolar.

É evidente que de imediato houve reacções (duas autoridades escolares, entrevistadas, estavam contra a medida, dizendo, genericamente, que a escola não deveria “misturar-se” com o futebol),
Tenho a certeza que vão ser muitas as críticas, mesmo fora da Argentina, e estou curioso para saber o que pensam os portugueses… Eu vou já dizer o que penso.

Antes de mais, o Ministro argentino teve coragem e aproveitou bem o momento para alguma pedagogia. A escola não pode e não deve desligar-se da vida; ignorar o que acontece de relevante não é boa política. Por outro lado, e isto por muito que pese a quem não aceita esta tese, o interesse e motivação dos alunos é sempre um vector a ter em conta para quem ensina.

O futebol não é mais do que um desporto e um entretenimento, mas em certas alturas ultrapassa o nível a que deve ser entendido, em especial em algumas sociedades – e a argentina, como a portuguesa, brasileira ou inglesa, é muito sensível ao fenómeno futebol. Pode por isso perguntar-se com que cabeça iria a maior parte dos alunos para as aulas sabendo que nesse momento se disputava um jogo importante. Provavelmente, muitos faltariam. Proporcionando-lhes o verem o jogo na própria escola, creio que irão todos. Será isto uma adulteração à vida escolar?

Entra aqui a gestão pedagógica por parte dos professores, que podem tirar partido da situação e integrar o acontecimento no currículo, seja qual for a matéria que nessa hora deveria ocupar os alunos. Inclusivamente, para chamar a atenção para a necessidade de evitar a alienação em relação a qualquer desporto, futebol incluído.

Estou consciente que estas ideias contribuem para a péssima reputação das ciências da educação e para o risco de entrar para o anedotário sobre o tal eduquês.
Paciência…

2006/05/10

O Dia da Europa (aditamento)


Ao fim da tarde, os alunos (os meus ex-alunos…) do Mestrado em Educação Musical ofereceram à comunidade a audição de curtas peças musicais de todos os países da União Europeia, em que todos participaram tocando os instrumentos em que se especializaram (e também cantando, em alguns casos). Foi uma hora muito interessante, e só tive pena de a sala estar tão vazia. Os alunos dos cursos de licenciatura ignoraram; e teria sido importante que fossem. Alguma coisa tem de ser feita para inverter esta triste tendência de ignorar as ofertas culturais.
Última nota: depois de ouvir todas as composições, do Chipre à Estónia, de Portugal à Alemanha, verifica-se que há uma constante que faz com que se possa “compreender” o que subjaz à música dos diferentes países. É por isso que eu me sinto europeu!

2006/05/09

O Dia da Europa


Gosto de ser europeu, sinto-me europeu, e apesar do apelo do mar que a tantos de nós seduziu e de algum modo continua a seduzir, eu olhei sempre para o sol nascente mais do que para o ocaso. Por isso sempre me entusiasmou a ideia de uma união dos países da Europa, e acompanho o processo da EU mais do que com curiosidade. Compreendo as reservas de alguns à constituição de uma federação de Estados, mas penso que seria a melhor solução. Tenho consciência que existir um dia da Europa tem ainda pouco significado para a maioria dos europeus, mas não quis deixar de o assinalar aqui: para mim, tem.

2006/05/06

O Café Atenas de Coimbra


Na quarta-feira passada fui a Coimbra para apresentar um livro que é a tese de doutoramento de uma docente da Escola de Enfermagem Bissaya Barreto de quem fui orientador. A Escola comemorava 35 anos de idade e quis também homenagear essa docente, que bem o mereceu. Foi uma festa bonita e que me deu a ideia de a Escola ter conseguido ao longo destes anos criar um “ethos” que a personalizou.

Aproveitei a manhã para uma romagem de saudade à Coimbra dos anos 60 do século passado na qual vivi. Muitas diferenças… As ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, o Largo de Santa Cruz, predominantemente pedonais (mas apesar disso, com trânsito de veículos a mais) conservam muito do passado. Mas desapareceu o Café Internacional, o que mais frequentava quando ia à Baixa, mas também a Brasileira; na Praça da República procurei em vão o Mandarim… Contudo, ao subir para a Alta, mesmo ao fim da Rua Lourenço de Almeida Azevedo tive a surpresa agradável: o pequeno Café Atenas ainda existia! Foi lá que durante quase dois anos almocei e jantei.

Entrei. À distância de mais de quarenta anos ainda posso reconhecer que no essencial pouco mudou – ainda que o mobiliário não seja da época. Sento-me na mesa do canto, que normalmente ocupava. Via dali a televisão, a preto e branco nessa altura, hoje a cores e já em LCD… Há meia dúzia de fregueses àquela hora (seriam onze e meia da manhã). Alguns serão professores da Escola José Falcão, que fica ali a dois passos… Tento saber se ainda há qualquer ligação ao proprietário do meu tempo (creio que era o Sr. Quaresma, mas não estou seguro). A senhora que me atende diz que não – o Café já terá passado por outras mãos, mas tem-se conservado. Ainda bem!

Vou ver as “minhas” duas casas, onde morei: uma na Rua João Pinto Ribeiro, outra na Avenida Afonso Henriques. Estão na mesma – melhor, mais velhas mas ainda firmes… Na fachada do Liceu (deixem-me dizer assim…) um cartaz anuncia que o edifício comemora os 70 anos de idade. Não sabia que também ele nascera em 1936… Não entrei. Um dia fá-lo-ei, naquele momento não me apeteceu. Preferi regressar à Baixa, demorar-me ainda deambulando no Parque de Santa Cruz…

Creio que já o disse anteriormente: gostei de viver em Coimbra, Por isso gostei também de, nesta manhã, deixar a minha memória flutuar até esse passado tão distante.

2006/05/05

Uma reflexão sobre a memória dos outros


No dia seguinte ao da minha jubilação, um colega procura-me para me fazer um convite que sem me espantar me deixa curioso. Estava em Braga uma colega, professora na Universidade dos Açores, que viera fazer uma conferência e manifestara a esse meu colega o seu interesse em se encontrar comigo, porque fora minha aluna na Horta e gostaria de me rever. Eu estivera por duas vezes na Horta, em 1961 e 1968, e o nome da colega não me dizia nada (por respeito à privacidade, vou designá-la por R)… Claro que não tenho a pretensão de me recordar de todos os nomes dos meus ex-alunos, mas pensava que devia lembrar-me de alguém que se lembrava de mim...

Decidiu-se que jantaríamos nesse dia. Quando vi a R, senhora que fora menina há trinta anos, nada ma fez lembrar, e foi preciso algum tempo de conversa para eu reconstituir esse passado. Afinal, a R não estava no Liceu, mas sim na Escola do Magistério, que nesse tempo, funcionava no mesmo edifício, e eu fora seu professor de Psicologia Aplicada à Educação, conforme mandava a legislação. Ora essa turma, estive com ela muito menos vezes do que com as turmas do Liceu, e a R não era – ela o confessou – muito interveniente.

Mas o que me espantou foi a quantidade de memórias que conservou das minhas aulas (talvez, dizendo melhor, do que eu era), algumas verdadeiros pormenores sobre o método que eu utilizava e que ela muito apreciou. Independentemente do relativo prazer que tive por tal facto – afinal, sou humano e não deixo de ter a minha pequena dose de vaidade pessoal – regressei a casa pensando na responsabilidade que os professores têm em tudo o que fazem. Eu já o sabia, porque comigo se passa o mesmo em relação a muitos dos meus velhos professores: cada palavra nossa, cada acção, pode ter uma influência decisiva nos nossos alunos.

Apesar de não ter muitas recordações da R foi muito bom reencontrá-la: como lhe disse no fim do jantar, foi mais uma das coisas bonitas que me aconteceu na hora da despedida.

Os lugares onde vivi – Londres (1978 – 1979)


A primeira vez que estivera em Londres fora em 1973, quando a libra valia 60 escudos e havia pessoas que iam de propósito à capital do Reino Unido para fazer compras na época de saldos (não foi o meu caso, contudo…). Como turista, gostara da cidade. Agora, cinco anos depois, tinha pela frente, pelo menos, um ano para viver lá. A minha Mulher e a filha tinham ficado em Lisboa. Eu regressaria a Portugal nas férias do Natal, elas ir-me-iam visitar na Páscoa.

Resolvera a acomodação instalando-me no John Adams Hall, uma residência para alunos do Instituto de Educação, que ficava convenientemente localizada na Endsleigh Street, a três blocos do Instituto e da Russell Square (Praça e Metro) e ainda, embora sem grandes vantagens para mim, a dois passos da estação de comboios de Euston. O quarto era razoável para um estudante, com o senão, naquele tempo frequente (não sei se já alteraram os hábitos) de a casa de banho, que servia pelo menos quatro quartos não ter duche, o que obrigava ou a um banho de imersão numa banheira gigantesca ou a uma lavagem complicada que incluía uma espécie de exercícios de educação física, substituindo o chuveiro por uma série de copos de água depois do ensaboamento… Se o quarto era razoável, a comida (pequeno almoço à parte) era horrorosa.

Depois do Natal, cansado da residência, aproveitei o facto de ter vago um apartamento, igualmente gerido pelo Instituto, e desafiei o Lemos Pires, que partilhara a aventura londrina, para me acompanhar. Felizmente fomos os preferidos e mudámo-nos então para a Woburn Square, também ali na zona. Melhorei consideravelmente, porque para além de deixar de fazer ginástica no banho (havia duche!) passei a ser o responsável pela minha alimentação e embora não tenha grande aptidão para a cozinha consegui, mesmo assim, ter mais satisfação do que no Hall (aprimorei-me nas feijoadas…).

De qualquer modo, voltar a ser estudante e em condições que nunca tinham sido as minhas, porque estudara sempre ao pé de casa, com limitações financeiras porque, embora generosa, a bolsa do British Council tinha de ser gerida com tacto, não foi fácil. Confesso que na generalidade simpatizei pouco com os ingleses, embora tivesse excelentes relações com alguns e, em termos de resultados, tivesse aproveitado imenso da minha estadia. Foi um ano de trabalho intenso e proveitoso: passava os dias na Biblioteca do Instituto, que na altura não estava, como hoje, no edifício, mas a uns quinhentos metros, ocupando três andares. Só tinha aulas ao fim do dia, pelo que me sobrava tempo para estudar – e foi o que fiz. Só ao fim de semana, caso o tempo permitisse, fazia longos passeios.

Recordo-me que o Inverno foi rigoroso; nevou várias vezes. Foi igualmente um ano politicamente sensível – numerosas greves, entre elas uma da recolha de lixo que durou imenso tempo – o que teve como remate a mudança do governo trabalhista para o da Senhora Tatcher quando das eleições antecipadas (creio que em Maio de 1979).

Costumo dizer que me adapto bem e normalmente gosto de viver onde vivo. Não foi o caso de Londres: talvez tenha sofrido demasiadamente o facto de estar longe da família, e embora tivesse vários amigos nas mesmas condições, e com os quais tive um bom convívio, cheguei ao fim do ano sem grande vontade de continuar. O acaso proporcionou-me isso mesmo, e por isso, em vez de continuar, como era suporto que acontecesse, regressei a Portugal em Julho de 1979.
Voltei a Londres várias vezes, para curtas estadias, quase sempre com o objectivo de aproveitar a excelente organização do Instituto de Educação, e hoje a cidade parece-me menos hostil do que há trinta anos. Mas não seria o local onde gostaria de voltar a viver…

2006/05/04

Público e privado


Hoje (4 de Maio), dez da manhã. Entro em Coimbra no Alfa Pendular nº 123 em direcção a Braga e ocupo o meu lugar. A viagem vai durar duas horas, que destinei para ler o Público e talvez começar a ler um livro que ontem me foi oferecido. Mal o comboio arranca, atrás de mim soa um sinal discreto de um telemóvel. A voz que atendeu já não era tão discreta, soava como se estivesse na sala de sua casa. Impossível não ouvir. E até ao Porto, com pequenos intervalos, a voz da senhora que se sentava atrás de mim, e que nos (aos passageiros do comboio, claro) declarou ser actriz, com nome e tudo (M.M.), usou aquele espaço como seu escritório, falando com umas tantas pessoas de negócios (discutindo mesmo pagamentos pelo seu trabalho) ou assuntos pessoais que obviamente não interessavam a quem tinha tido a pouca sorte de estar no seu raio de acção.

Não foi a primeira vez que me aconteceu ter de partilhar uma conversa ao telemóvel em comboios, mas nunca me acontecera uma tal exposição forçada ao que devia ser uma privacidade. Aquela senhora, não sei se por ser actriz, confunde o privado com o público, e deu hoje um espectáculo desagradável. Não deveria existir uma etiqueta de uso dos telemóveis em espaço público?

2006/05/01

O caso da Cinemateca


Tenho acompanhado o caso da direcção da Cinemateca Nacional por duas razões. A primeira é o próprio João Bénard da Costa, que foi meu colega de curso na Faculdade de Letras de Lisboa e que, de algum modo, considero um meu amigo distante, porque não nos temos encontrado desde há muito. A segunda razão porque tendo eu próprio atingido há dias o “limite” de idade, e tendo sido desligado do serviço, estou em condições de reflectir sobre a situação.

Sou dos que pensam que não há razão para o Estado impor a aposentação a quem quer que seja, mesmo atingido pelo limite de idade, se essa pessoa tiver condições físicas e psicológicas para continuar a exercer o seu cargo e o desejar fazer. Pessoalmente, eu continuaria a trabalhar até sentir que não tinha mais essas condições.

É verdade que, em casos excepcionais, pode ser autorizada essa continuidade, desde que seja feita uma proposta aceite pelo Primeiro Ministro, ficando nessa altura o funcionário com o direito de, além da pensão da aposentação, receber um terço da remuneração a que o lugar que desempenha dá direito.

Julgo que terá sido esta a cláusula que terá levado o actual Governo a dar indicação aos serviços para restringir ao mínimo essas excepções. Eu distinguiria aqui casos como o do Bénard da Costa, que tem 70 anos, de outros, de funcionários que se reformaram com muito menos idade e foram depois “repescados”, arranjando assim um complemento de reforma que é legal, sem dúvida, mas sugere a pergunta: “Então, por que se reformou?”

Talvez fosse bom repensar também estes casos e encontrar uma solução lógica para eles e para quem atingido pelo limite de idade não tem problema em continuar a trabalhar (caso do João, a que acresce a sua indiscutível competência na área do cinema). Uma vez que continuam a servir o Estado, não seria de lhes manter o vínculo com todas as consequências – incluindo a suspensão da pensão de aposentação e manutenção do devido vencimento, incidindo nele todos os descontos legais, incluindo o que é devida à Caixa Geral de Aposentações?

2006/04/22

Os lugares onde vivi – Reading (1978 -Agosto e Setembro)


(Retomo hoje esta série de posts)

Quase no final do ano lectivo de 1977-1978 tive inesperadamente a oportunidade de aceitar uma bolsa do British Council para estudar em Inglaterra, visando uma pós-graduação em educação. Em Londres era (e é) reputado o Instituto de Educação e foi pois para aí que concorri, e fui aceite, para obter o “diploma in education”, que poderia ser considerado a parte curricular de um mestrado, ou um curso de especialização. Era um curso de um ano que daria depois acesso a um mestrado. Na altura essas condições não constituiam problema e por isso decidi ir.

O meu inglês não era tão bom como o meu francês: se à saída do liceu eles se equivaleriam, no meu curso na Faculdade de Letras só lia praticamente livros franceses e até as ocasiões de praticar foram sempre mais com franceses do que ingleses. Por isso não estranhei quando me propuseram ir mais cedo para Inglaterra para frequentar um curso de língua, na Universidade de Reading. E assim, num dos primeiros dias de Agosto, depois de muito rapidamente me ter desfeito da casa que alugara em Braga e de ter mudado a mobília para a casa de Lisboa, voo para Londres para, no dia seguinte, seguir para Reading. Com o contratempo de se ter perdido uma das duas malas que levara, e que tinha a roupa de todos os dias, o que me causou sérios embaraços: só apareceu quase três semanas depois) Tinha ido passear à Argentina…

Reading é uma cidade que fica a cerca de uma hora de comboio de Londres. Comparada com esta, é uma vilória, ou seja, é uma cidade pequena – não sei se na altura ultrapassaria os 100 000 habitantes. O campus da Universidade, onde de facto vivi, ficava a pequena distância do centro; havia autocarros frequentes.

A cidade propriamente dita é simpática. Recordo-me de existir um parque muito agradável e uma biblioteca antiga (hoje há já uma biblioteca nova, inaugurada em 1985). Nos dois meses que lá estive não fui muitas vezes ao centro, umas três ou quatro; fiz mais vida no campus ou nos arredores próximos.

O campus de Reading é muito grande, com relvados “à inglesa”, tudo bem tratado. Os numerosos estudantes de muitos países que iam frequentar o mesmo curso de língua ficaram instalados em residências que se agrupavam num dos extremos do campus, edifícios sóbrios com quartos individuais e casas de banho colectivas tendo, por andar, uma cozinha equipada. Achei as acomodações bastante razoáveis. O sítio era, evidentemente, sossegado, bom para trabalhar e estudar. Apesar de ser verão não havia verdadeiro calor, e para surpresa minha o aquecimento estava ligado! Habituei-me com facilidade à vida do campus, às rotinas diárias, ao pequeno almoço “à inglesa”, que apreciei e sempre que posso gosto de fazer, às caminhadas em grupo para e de o instituto onde tínhamos as aulas, e só não me habituei, confesso, à generalidade da comida que nos davam ao almoço e ao jantar… Ao recordar Reading não recordo pois a cidade mas o campus, e recordo sobretudo o ambiente agradável, de convívio “multicultural”: para além de quatro portugueses havia brasileiros, gregos, chilenos, iraquianos, iranianos, indonésios e pelo menos um somali, com quem aliás fiz boa amizade: era espertíssimo e completamente descomplexado (encontrei depois muitos negros que não tinham vencido complexos).

Gostei bastante da experiência e da maneira como o CALS (Centre for Applied Language Studies) orientou a nossa formação. Parti pois para a aventura londrina bastante mais confiante.

2006/04/21

The Day after


Sou hoje o que era ontem – e não sou. Heraclito tinha razão quando dizia que tudo flui, mas Parménides também a tinha quando defendia a unidade do Ser. Por isso debato-me com um dilema: eu sei que alguma coisa mudou de ontem para hoje, que me obriga a equacionar, como me diziam ontem, “o resto da minha vida”, mas ao mesmo tempo não quero ceder à tentação de cortar com o que ficou para traz porque não posso.

Preparei-me tanto para este momento – e descobri ontem, como descubro hoje, que não estava verdadeiramente preparado. Talvez precise de mais um dia ou dois. Mesmo mais. Mas vou descobrir o sentido desse resto da minha vida.

Para já, tenho ainda os ecos de vozes amigas, de gestos simbólicos lindos, unindo gerações com quem me encontrei e que não me esqueceram. E isso é, neste momento, bastante.

2006/04/19

Quando as memórias se encontram


Em dois dias sucessivos – ontem, 18, e hoje, 19 – vieram ao meu encontro memórias que me encantaram. Primeiro, um telefonema que recuperou a voz de um colega (meu superior hierárquico…) que comigo privou, entre 1971 e 1972, no ambiente de trabalho de uma empresa de consultoria, e que depois de todos estes anos se lembrou de me contactar sugerindo um almoço num dia em que desça à capital. Creio que a data foi coincidência. Foi bom recordar esses tempos, muito importantes para a minha formação de “gestão de pessoal” e de educador de adultos.

Em segundo lugar, a caixa de correio electrónico entrega-me uma mensagem que vem de longe no espaço e no tempo: com ela recuperei não a voz mas o estilo de uma bela, grande Amizade dos meus tempos de jovem, que infelizmente não pôde ser mantida. Separam-nos cinquenta anos – mas que são cinquenta anos para memórias sólidas?

Anteciparam-se, assim, dois presentes de aniversário. E acreditem, fez-me bem esse reencontro de memórias.

2006/04/17

O tornado


Nos anos em que vivi nos Estados Unidos da América, aprendi a ter um respeito enorme pelos tornados – e, de algum modo, pelas trovoadas, que por vezes atingem proporções que não conhecemos em Portugal. O Midwest é muito afectado por tornados, que são tempestades que se desenvolvem com uma rapidez e violência assustadoras, com ventos circulares que arrasam tudo à sua volta. Na minha estadia houve uma meia dúzia de situações de prevenção, mas apenas numa houve de facto um tornado que se desenvolveu a escassos quilómetros de Iowa City, onde eu vivia.

Na passada sexta-feira, soube pela televisão que na “cidade de Iowa”, como disse a apresentadora, um tornado devastador espalhara o terror na cidade universitária. Hoje, ao regressar a casa, tinha notícias vindas por e-mail, incluindo fotografias bem evidentes dos estragos – e para além deles, houve um morto e oito feridos. Vejam aqui uma delas (e se quiserem, podem continuar no site a ver mais).

Não posso deixar de me emocionar. Ainda não me referi aos meus tempos de Iowa City, onde passei três anos e meio, mas tenho da cidade as melhores recordações e penaliza-me ver a destruição que a afectou. Sei que em breve tudo estará reconstruído, porque os norte-americanos são muito eficientes. Mas certamente os momentos que viveram naquela noite de 14 de Abril não se apagarão da memória dos que lá vivem.

2006/04/12

E agora?


Oiço na rádio a notícia do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a licitude de castigos corporais a crianças – crianças deficientes, adiante-se. Adivinho uma onda de indignação – e de algumas vozes a clamar que “até que enfim que alguém abriu os olhos…” Por mim, indigno-me. Mas não estou muito, muito admirado. Afinal, isto é a transferência, para a área da justiça, das ideias dos que disparam contra o “eduquês” na educação. Antigamente é que era bom! Felizmente, para a educação, ainda não há acórdão a definir regras. Para as palmadas, há.
E agora?

As tílias da Avenida Central

Regresso ao meu gabinete, com um tecto de altura que já não se usa, e sentado à secretária desarrumada olho para fora. Tenho no meu raio de visão uma fatia longitudinal da Avenida Central – e vejo carros e pessoas, os relvados, o Museu Nogueira da Silva, o Banco Totta… Há qualquer coisa que não bate certo.
Quando há quase dois anos deixei de vir aqui e substituí esta paisagem pela imponente vista do Bom Jesus, isto não era assim… E de repente percebi. São as tílias. As tílias, magníficas, imponentes, são hoje apenas tronco. Não têm a folhagem que no verão cortina a minha visão para o outro lado. E também não há aquele perfume delicioso que me entra pelo gabinete.

A minha compensação pela falta das tílias exuberantes foi um pombo que por momentos pousou no beiral da janela (fechada), como tantas vezes acontece. Mas tenho de arrumar, ligar o computador, e pensar. As tílias não demorarão a ter folhas…

2006/04/10

Reencontro com um passado presente


Na passada sexta-feira, pouco antes de jantar, toca o telefone. O fixo (o que é cada vez mais raro). É o Luís (fica assim, meio anónimo). Foi meu aluno em 1966-1967 (isso mesmo, há praticamente 40 anos) no Liceu Padre António Vieira, estava no 7º ano (hoje seria o 11º) e eu leccionava Filosofia e OPAN. Bom aluno. Encontrei-o uma vez, nos anos 80, quando eu assessorava o Secretário de Estado João de Deus Pinheiro e ele já estava no meio da comunicação social, e há relativamente pouco tempo telefonara-me para a Universidade porque casualmente descobrira onde eu estava e quis conferir comigo um assunto particular. Ora o Luís viria a Braga hoje, dia 10, participar numa sessão promovida pelo Instituto de Ciências Sociais para apresentar a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e lembrou-se de combinar almoçar comigo. Com certeza!

E hoje foi o reencontro. Tinha dele a imagem clara do que ele era aos 16, 17 anos: magro, alto e loiro, frase pronta e arguta. Lembro menos bem o que era nos anos 80. Quando o procuro no sítio combinado reconheço-o de imediato. Creio que o mesmo aconteceu com ele – apesar das mudanças em mim serem bem mais complicadas… Nos anos sessenta não usava barba, e usava cabelo: hoje uso barba e delapidei uma boa dose de cabelo. Não mirrei, e por isso continuo a ser razoavelmente alto, a gordura deve ser mais ou menos a mesma… Damos um abraço sentido. E começamos uma conversa interessante, que se prolonga num almoço em que mais do que o que se comeu fica o que se falou. Não, não passámos o tempo a lembrar os “velhos tempos”, embora recordássemos um ou outro “fait divers” que o levou a admirar a minha memória para esses pormenores. O Luís contou-me como viveu estes quarenta anos, ricos de experiência na qual não falta, também, o ensino superior, numa área que desde cedo terá sido a principal (a comunicação social). Tem paixão pelo que faz. Como eu tive paixão pelo que fiz. É fatal falar-se da minha próxima retirada, de como a encaro, o que vou fazer… Passam por nós colegas, meus e dele, trocam-se frases curtas – mas é com orgulho que digo que o Luís foi meu aluno. Há muito tempo, num ano que tenho muito presente, até porque foi um ano de grandes decisões na minha vida.

Por isso, depois de o deixar e regressar à minha Escola (já não ao meu gabinete… hoje ocupado pelo colega que me sucedeu), não paro de pensar nesse passado que me foi hoje feito presente. É bom, até porque desse modo não penso no futuro, que é, no presente, o que mais me preocupa.

2006/04/07

A entrega das chaves


Na minha vida tenho tido, em múltiplas ocasiões, de entregar chaves que usei durante mais ou menos tempo. Sempre que mudei de casa, incluindo as de férias, quando no fim do ano, nas escolas, desocupava cacifos ou gavetas, nas incontáveis vezes que saio de um hotel ou residencial… Este acto simboliza um corte, que se aceita naturalmente: de algum modo é um acto de renúncia – não me vai mais ser dado usar livremente aquilo de que dispus do instrumento normal de acesso.

Hoje, entreguei também três chaves – a do que foi o meu gabinete de trabalho durante os últimos vinte e um meses, a da gaveta que, durante a noite, guardava o computador portátil que por vezes usava, e finalmente a do ascensor que me evitava subir seis lanços de escada bem puxados. E foi curioso o que senti: por um lado, uma amargura difusa por deixar uma tarefa a meio, tarefa que apesar das dificuldades e das incompreensões de uns tantos me deu prazer ter iniciado, misturada com o reforçar da certeza que a hora está a chegar (está a menos de duas semanas!) Por outro lado, senti um bem-estar que quase me incomodou porque ia perder o convívio tão agradável de quem trabalhava quotidianamente comigo e se mostrava emocionado pelo momento. Percebi depois que o bem-estar derivava um pouco disso mesmo: de me sentir uma vez recompensado por ter feito o melhor que sabia, por ter criado um clima agradável, de ter gerado amizade. Afinal, só fechara as portas do gabinete: conservara muitas outras abertas, como sempre fiz na vida.

2006/03/20

O sócio nº 6 654


Fui hoje ao Porto tratar da renovação da minha carta de condução ao Automóvel Clube de Portugal. Sou sócio desde 1962. Tenho ideia de que teria o número trinta e tal mil (o ACP orgulhava-se de ser a instituição com o maior número de sócios). A uma dada altura, começaram a “actualizar” a lista de associados, o que significa “limpar” os que deixaram de ser sócios e a dar nova numeração aos que ficaram. Hoje, ao apresentar o cartão (recebido há um mês, creio) verifiquei que sou o sócio nº 6 654. O ano passado andava pelos 10 000. É a lei da vida, pensei. O cartão é válido até 2010. Se viver até lá, certamente serei o 3 ou 4 mil e tal... Às vezes, coisas insignificantes como esta levam a uma certa melancolia…

2006/03/13

Habilitações profissionais para a docência


Está neste momento (tarde de 13 de Março de 2006) a decorrer em Lisboa uma reunião com representantes dos estabelecimentos de ensino superior, promovida pela Secretaria de Estado da Educação, para apresentação das linhas gerais da futura legislação que definirá o modelo “de acesso” à profissão de educador de infância e de professor dos ensinos básico e secundário.

Tive acesso a um documento de três páginas que muito sucintamente, e por vezes com pouca clareza, traça as grandes linhas da posição assumida pelo Ministério da Educação (ME). O facto mais saliente reside na separação entre a formação que habilita profissionalmente (entregue ao ensino superior) e a certificação, que passa a ser da responsabilidade do ME. A habilitação profissional consistirá numa licenciatura na qual os alunos terão de obter um número ainda não definido de créditos ECTS nas unidades curriculares referentes a disciplinas do ensino a que queiram mais tarde concorrer, à qual acrescentarão um curso de formação profissional para ensino organizado segundo critérios definidos pelo ME (atenção a este ponto!). A certificação consiste numa prova de avaliação de conhecimentos e competências, como disse da responsabilidade do ME.

Há ainda mais alguns pormenores, mas estes chegam para já para se fazer uma ideia do que é proposto, e que procura harmonizar a formação de professores com Bolonha.

Não me surpreende; há já uns anos que se pensava que se teria de caminhar neste sentido. Tendo algumas reservas não valerá a pena avançá-las sem saber mais sobre o projecto, que deve vir a ser aberto a debate. Nessa altura, cá estarei para comentar.

2006/03/09

Eduquês, Economês… e outros termos acabados em “ês”


Creio que num post de há muito tempo lamentei que o Engº Marçal Grilo, que até foi um bom Ministro da Educação, tenha criado e difundido o termo “eduquês”, que acaba de ser promovido a título de livro… Não que me incomode a brincadeira; o que me incomoda é o que normalmente se esconde por detrás da brincadeira.

Ora acontece que ontem ouvi numa crónica radiofónica uma referência ao “economês”, e comecei a pensar se estaríamos a entrar numa época de desvalorização da linguagem técnica. Ou seja, será que vamos começar a ter um “mediquês” para a medicina, um “engenheirês” para a engenharia, ou um “arquitectês” para a arquitectura? Ou um “matematiquês” para a matemática (esta é para satisfazer o Nuno Crato…)?

2006/03/06

As angústias de Bolonha


Temos de reconhecer que as angústias com Bolonha têm sido, entre nós, muito egoístas. Apesar de Bolonha estar no horizonte há já vários anos, quando se percebeu que se ia mesmo avançar, as instituições como tal e os docentes (e mesmo os alunos!) começaram a fazer contas e foi isso que as e os angustiou. O ponto de partida foi a ideia de que Bolonha seria (era, é) uma maneira de o Estado reduzir o financiamento às escolas do ensino superior, e que a nova estrutura dos cursos poderia (pode) causar uma redução na necessidade de docentes, pelo que haveria alguns que ficariam em risco. Os alunos que estão neste momento na Universidade interrogam-se sobre as transições; os que acabaram há pouco tempo começam a pensar que foram prejudicados porque demoraram mais tempo para obter os mesmos graus que os colegas mais novos vão, agora, com menos anos de estudos, possuir.

Não se pensou, na generalidade, no que significava Bolonha em termos pedagógicos (claro que houve quem pensasse, que advertisse). E só quando se tornou evidente que era preciso cumprir a lei e clarificar a mudança estrutural do ensino superior – ou seja, dar prioridade à definição do tempo de trabalho necessário para que o aluno obtenha os resultados de aprendizagem esperados para lhe poderem ser concedidos os créditos – a angústia terá conhecido uma outra tonalidade, a angústia pedagógica.

Ainda ontem o Professor João Sousa Andrade publicava no Diário de Notícias um artigo (“Ideias para o debate de Bolonha e suas reformas”), que pode ler aqui. Quando pergunta se “se podem discutir currículos sem discutir no que consistem as novas práticas” toca um ponto essencial. É evidente que não podem. E por isso os cursos “adequados” (na linguagem imposta por lei) têm de alterar os processos de ensino-aprendizagem que até aqui eram desenvolvidos (a não ser em casos excepcionais nos quais os docentes já praticassem Bolonha “avant la lettre”, o terá acontecido esporadicamente).

O grande desafio de Bolonha reside aí. Por isso concordo com o Prof. Sousa Andrade, para quem nenhum curso deveria adoptar o figurino de Bolonha se não alterar a forma de ensinar e aprender. Este é o momento em que a pedagogia vai jogar um papel decisivo no ensino superior.

O existir agora alguma angústia pedagógica não será muito mau se ela conduzir a um genuíno esforço de a superar pela adopção de práticas consequentes com os princípios – o aluno é o centro das preocupações, a ele compete aprender; o professor é o gestor do processo, ensina sem dúvida mas deve sobretudo facultar ao aluno os meios de aprender, que são hoje, felizmente, muito mais vastos do que num passado. O professor tem de ter planificado as suas unidades curriculares com antecedência a fim de poder fornecer aos seus alunos os elementos de estudo. O aluno terá de estudar sempre ao longo do ano – não pode guardar para uma noitada antes do exame o “pôr-se a par” da matéria. O aluno tem assim de estar mais na ribalta do que até agora – Bolonha não permitirá que um professor não conheça um aluno a não ser no exame final.

Quem duvida que a mudança prevista tem de ser para melhor?

Os lugares onde vivi – Braga (1977-1978)


Conhecia Braga desde os princípios dos anos 60, mas apenas de passagem (ainda me lembro dos carros eléctricos!). Em 1973 estive na cidade por uns dias, quando se negociou a transferência do Conservatório Calouste Gulbenkian para o Ministério da Educação, como secção do Liceu D. Maria I (a chamada escola-piloto). Tenho memória do que Braga era nesse tempo. Sem querer ofender, era uma aldeia! Recordo-me que, depois do jantar, no dia da chegada (ficara hospedado na Residencial Avenida, que ainda hoje existe), ter decidido ir tomar café e ter procurado naturalmente um dos da Arcada, julgo que o Viana. A cidade estava deserta, e a minha entrada no café deve ter sido apreciada com um “Quem será este?” pelos poucos fregueses que lá estavam…

Depois do café ensaiei uns passos pela rua do Souto, mas estava tão escuro, não se via vivalma, que regressei logo ao quarto. Claro que de dia era diferente, e fiquei com uma boa impressão da cidade.

Quando nos começos de 1977 vim a Braga para responder ao convite de me juntar ao grupo que na Universidade do Minho estava a pôr de pé a área das ciências da educação, a cidade já me pareceu um pouquinho diferente. Mesmo incipiente, a Universidade já estava a contribuir para uma outra Braga. Nesse ano só em Abril comecei a estar três ou quatro dias por semana na cidade, porque mantive a minha família em Lisboa; só de Setembro em diante passei a residir em Braga.

Apesar de dizer que já se notava uma certa evolução, a cidade ainda não se expandira. Gualtar era verdadeiramente “fora de portas”; e o ar de indiscutível modernidade dos nossos dias era inexistente. Com excepção dos meses de verão, nos quais o trânsito se tornava infernal e estacionar era uma dor de cabeça (os mais velhos – e nem precisam ser muito velhos… – ainda se lembrarão do “parque” ao ar livre do Campo da Vinha), circular em Braga era fácil. Recordo-me de muitas vezes, quando ia buscar a minha filha à antiga Escola do Magistério, estacionar sem problemas à porta do edifício dos Congregados. Nesses anos, o trânsito na Avenida Central fazia-se nos dois sentidos.

Gostei de viver em Braga. Alugara um apartamento na colina de Maximinos, ao pé do campo arqueológico, num prédio com uma vista espectacular. Tinha o meu gabinete de trabalho no edifício que fora afecto à educação, na Rua do Abade da Loureira, onde também dava aulas (inicialmente, também dei aulas no edifício da Rua D. Pedro V, onde é hoje a sede da Associação Académica).

Nesse tempo, aprendi a gostar de vinho verde (branco: tinto, não), a saber como eram os rojões à moda do Minho e as papas de sarrabulho, e a apreciar devidamente a doçaria regional, desde o pudim à Abade de Priscos às tíbias da Lusitana.

Habituado a climas frios (não esquecer que já vivera em Viseu e Lamego) não estranhei o relativo desconforto do Inverno.

Havia contudo um ponto negro que não tinha a ver com a cidade mas com o como lá chegar. Em meados dos anos 70, era um martírio viajar de Lisboa para Braga ou vice-versa. O comboio mais rápido não demorava menos de seis a sete horas; implicava muitas vezes uma ou duas mudanças (Campanhã e Nine). De automóvel, não melhorava: como não havia auto-estrada a não ser entre Lisboa e Carregado e depois entre Carvalhos e Porto, havia que suportar a antiga estrada nacional que, saibam os mais novos, não estava sequer tão razoável como agora está. Viajar de automóvel entre Braga e Lisboa era normalmente um dia perdido e uma dor de cabeça constante.

No final do ano lectivo de 1977-1978 tive oportunidade de ser bolseiro do British Council e por isso no ano seguinte estive em Londres. Só regressaria a Braga, para por cá ficar até hoje, em 1993. Na altura própria escreverei sobre essa minha última experiência.

2006/03/02

Bolonha – 1º acto


Sete horas e dez minutos foi o tempo necessário para que o Conselho Académico da minha Universidade desse parecer favorável a 31 cursos de 9 escolas que apresentaram “adequações” de cursos existentes, de acordo com Bolonha. É obra!

Não foi uma reunião fácil, por motivos que excedem a simples apreciação das propostas, mas quando tudo acabou, um pouco cansado pelo dia inteiro de trabalho intensivo, senti que correra a cortina do 1º acto desta peça que bem se poderia intitular “Rumo a Bolonha”… O 2º acto seguir-se-á dentro de dias, com o Senado, em reunião extraordinária, a ser convidado a aprovar os cursos.

Senti um certo alívio – afinal, estes dois últimos meses têm sido de um trabalho exigente, mais do que complicado, com tarefas que persistem para além do tempo que lhes dedicamos efectivamente. O que resta da caminhada é, sobretudo para mim, muito menos pesado.

2006/02/24

Continuando a pensar o futuro dos cursos “à Bolonha”


“…E vai ser preciso que desde o início os alunos percebam e adiram ao processo, arrastando para ele os professores.”

Esta frase, com que quase encerrei o post de ontem, ocasionou um comentário pertinente do Miguel Pinto que merece que eu esclareça o que penso de uma maneira mais abrangente do que por uma simples resposta ao comentário.

Qual deve ser o papel dos professores universitários? Genericamente, esse papel tem sido o de considerá-los guardiães do saber, acumulando a docência com a investigação na sua área, a fim de transmitir esse saber aos seus alunos.

Ninguém contesta que o professor (seja de que nível for) tenha de deter um “saber”. Simplesmente, o melhor professor não é o que mais sabe, mas o que melhor ensina (eu costumo acrescentar, a esta velha máxima, “a aprender”).

Ora é precisamente esta ideia, que nem é nova, que está por detrás do chamado paradigma de Bolonha. O professor tem de deixar de se pensar como sendo apenas um transmissor de conhecimento e tem de assumir o papel de estimulador de aprendizagens significativas. Dito de uma maneira simples, mantendo-se ou mesmo aumentando o número de horas de contacto, quer dizer, horas em que professor e alunos interagem (face a face ou por meios digitais), devem existir menos aulas teóricas e mais práticas e, sobretudo, as chamadas horas tutórias. Para tal, o aluno tem de estudar, em permanência, para poder aprender; desde o começo das actividades terá de diariamente ir construindo o seu conhecimento das matérias.

Isto implica um esforço de planeamento por parte do docente que é certamente muito mais pesado do que “dar” aulas. Será preciso seleccionar materiais, organizar esquemas de avaliação frequentes, estar disponível para ajudar, esclarecendo dúvidas individualmente ou em pequeno grupo. É a esta mudança que não antevejo fácil que a maior parte (a maior parte, repito) dos docentes universitários adira. A tendência será, se não me engano, em conseguir que, sob a aparência de haver um novo modelo, regressar ao que existe.

Com esta afirmação não estou a pôr em causa os colegas – estou apenas a ser realista e a aplicar princípios conhecidos sobre a resistência à mudança.

Ora eu creio que este novo figurino é muito mais motivador para os alunos. Não porque venham, regra geral, preparados do secundário para ele; mas porque na verdade se vão sentir mais responsáveis e é mais atractivo aprender por si do que entrar na rotina de ouvir aulas e estudar para exames… Espero pois, como dizia, que sejam eles a “pressionar” os professores no sentido de concretizar o que Bolonha preconiza. Evidentemente as instituições, através dos seus órgãos próprios, não deixarão de estar vigilantes; e espero que aos novos alunos seja desde o primeiro dia claramente enunciado o que significam os novos cursos.

Sei que há argumentos para contradizer o que deixo exposto, que vão desde a contabilização das horas de “serviço docente” até à desconfiança que os nossos alunos queiram trocar a boa vida de estudar quinze dias por ano por um trabalho diário continuado. A minha resposta é apenas uma: não há outra solução senão encontrar meios para ultrapassar essas dificuldades. A primeira poderá resolver-se com uma outra organização da vida nos departamentos e dos horários; a segunda, com maior exigência em relação à situação do estudante na universidade. A universidade não pode pactuar com a mediocridade, e deve tolerar mal a simples suficiência. E, já que tive o apoio de um estudante do nosso curso de Medicina, dias atrás, repito: se os nossos alunos de Medicina há quatro anos convivem, e com sucesso, com Bolonha, por que não todos os outros?

2006/02/23

Pessimismo, optimismo


Ao terminar a primeira fase da minha intervenção no dossier (de facto, não me habituo à grafia dossié!) Bolonha da minha Universidade, no qual, por dever de ofício, me passaram pelas mãos mais de três dezenas de propostas de “adequação” de cursos existentes ao formato Bolonha, enquanto relaxo um pouco aguardando uma reunião magna onde essas propostas serão apreciadas – isto será a 1 de Março – pergunto-me se, como optimista que sou, tenho razões para estar satisfeito ou não.

Há um ponto positivo: houve empenhamento quase total da comunidade académica para concretizar um processo que estava em banho-maria desde há alguns meses, e em certos casos há uns anos. A tardia publicitação do anteprojecto de um Decreto-lei que nunca teve projecto “obrigou” a encurtar os prazos e por isso houve necessidade de horas extra para os cumprir, com reuniões “non-stop” por parte de algumas escolas…

Contudo, esta necessidade de uma resposta rápida não é boa conselheira para decisões reflectidas e, a não ser em casos onde o amadurecimento já estava no ponto, receio bem que os resultados fiquem aquém do que era esperado.

Bolonha, e não faço senão repetir o que tem sido dito por quem tem estudado o processo, é, mais do que um simples reajustamento de cursos, uma oportunidade de mudança. E mudar, todos sabemos, não é fácil. Por isso mudanças mais ou menos forçadas conduzem muitas vezes a um disfarce: a mudança é apenas um fingimento…

E sinceramente, apesar do meu optimismo, pergunto-me se, numa maioria de casos, não é esse disfarce que vai prevalecer. Nas entrelinhas do discurso e na objectividade das grelhas das normas técnicas, onde se faz a leitura das horas de trabalho do estudante – cerne da mudança – na maior parte das vezes descobre-se o mesmo número de horas teóricas da disciplina que cedeu o nome à unidade curricular, e os resultados de aprendizagem são tão vagos que cabe lá tudo…

Vai ser necessário um grande acompanhamento do progresso da experiência, porque de uma experiência se trata; e vai ser preciso que desde o início os alunos percebam e adiram ao processo, arrastando para ele os professores.

Espero não estar a ser injusto (e para o não ser tenho de afirmar que há propostas que me parecem excelentemente pensadas para uma renovação de metodologias). E por aqui me fico, por hoje...

2006/02/16

Só mesmo Bolonha!


Só mesmo Bolonha me faria querer registar na Memória o que, acidentalmente, me foi ontem oferecido. Pelas onze da noite, já mais perto de ir dormir do que continuar a trabalhar (e o fim dos trabalhos forçados está quase…) passei rapidamente pelos canais de notícias, e não é que na RTP Norte houve um fórum (por acaso, até estava escrito forúm!) sobre Bolonha? O sinal foi captado e por lá fiquei, em convívio com gente conhecida, desde o meu Vice-reitor Manuel Mota até ao meu então colega na Universidade do Algarve Adriano Pimpão e ao meu Presidente da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação de Faro, Luís Soares (de quem fui vogal) e ao Salvato Trigo, que era membro da Comissão Instaladora do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, se bem me lembro.

Foi uma conversa interessante, sem discussões, em que cada um deu a sua contribuição num registo que me pareceu mais ou menos sensato. Para quem não esteja tão envolvido como eu no processo terá parecido que havia mais optimismo do que pessimismo, embora a uma dada altura fosse mais ou menos consensual a ideia de que Bolonha é para se ir construindo e pouco adianta pensar que em Outubro os cursos que se apresentarem com o novo modelo vão funcionar todos muito bem. Não vão, seguramente: porque uma coisa é dizer-se que não valem cosméticas (isto é, disfarçar um conjunto de disciplinas em unidades curriculares com meia dúzia de resultados de aprendizagem expressos, mas continuar a reunir os alunos numa sala e “dar” aulas tradicionais) e outra é precisamente fazer diferente. E esse fazer diferente é complicado, e isso foi dito, para docentes mas também para alunos.

O processo falhará se inicialmente os alunos não perceberem, como foi muito bem enunciado pelo painel, que a sua maneira de estar na Universidade (ou no Politécnico) terá de mudar radicalmente; e para isso os professores têm também de mudar. É a instituição que está em causa, porque é ela que tem de se tornar outra. Não para diminuir níveis de exigência, mas para modificar as exigências até agora prevalentes. Nesse sentido, Salvato Trigo foi muito claro: não se trata de aprender menos, de ter menos conhecimentos, mas de obter mais conhecimentos de outras formas. Porque só assim fará sentido falar em competências.

2006/02/11

Parece impossível…


… esta tão longa interrupção, para quem nunca esteve privado de acesso a um computador e apesar de tudo não pode dizer que não lhe seria possível em cinco ou dez minutos escrever um post. Acresce que temos vivido tempos interessantes, com muitas matérias susceptíveis de um comentário e muitas delas apelando para a memória…

A verdade é que entrei num período de gestão complicada não só do tempo mas do meu estado de espírito. Desde há perto de três semanas, sou um pouco escravo de Bolonha, tendo de repartir a minha atenção por mais de quatro dezenas de propostas de cursos que na minha Universidade pretendem ser “adequados” (esta é a designação legal…) a Bolonha para entrarem em funcionamento já em Outubro. Ao mesmo tempo, tenho de avaliar trinta e quatro portfolios dos meus alunos de mestrado, que esperam as classificações. E para criar mais um pontinho negro a minha tensão arterial, que desde há muito é vigiada por ter tendência a subir demais, deu um senhor pulo que me assustou e me levou ao cardiologista e a uma série de exames que, felizmente, não confirmaram nada de grave. Apenas – creio – excesso de outro tipo de tensão que interfere na arterial.

Hoje fechei um pequeno ciclo das preocupações bolonhesas – vão existir outros, mas para já, distendi. O dia está muito agradável, lá fora, e senti o desejo de escrever na minha Memória. Até ao dia 1 de Março não prometo regularidade, mas vou tentar mão estar tanto tempo sem “postar”. (Esclareço: no dia 1 de Março haverá a reunião onde se vão aprovar – ou recusar – as propostas dos cursos).

2006/01/29

Os lugares onde vivi – Lisboa (1970-1977)


Regresso pois a Lisboa nos começos de 1970, desta vez com casa própria, se bem que alugada. Não vou estar muito tempo nela, também: apenas seis meses. No fim do ano escolar (Junho-Julho) houve nova alteração da minha situação profissional e tendo surgido uma oportunidade de passar para uma casa mais ampla e bem situada, mudámo-nos, passando a residir num 7º andar de uma pequena artéria ao Campo Pequeno, que se chamava então Travessa do Marquês de Sá da Bandeira e hoje se chama Rua Laura Alves. Esta casa continua a ser a “nossa”, embora em condições diferentes; até há bem pouco tempo era alugada, e passou a ser propriedade da filha. Vivi ininterruptamente nessa casa de 1970 até 1977 e entre 1979 e 1983; depois dessa data, apenas a espaços.

Nestes 35 anos, muita coisa mudou na paisagem envolvente da minha casa! Chegando à varanda da frente, tinha campo aberto – o quartel do Trem Auto, do qual se via claramente a parada, permitia ver a linha de Monsanto, lá ao longe. Nas traseiras, também havia largueza – em frente havia um armazém, relativamente baixo; via, na Avenida 5 de Outubro, passarem os carros. Só na esquina da Avenida de Berna havia um edifício do mesmo porte daquele em que vivo. Menos agradável o facto de ter igualmente vistas para as traseiras do hospital do Rego e de o prédio ficar no enfiamento do corredor principal de aterragem do aeroporto da Portela, com os aviões a fazerem por vezes um ruído enorme.

Era então fácil estacionar o carro quase à porta de casa. Lisboa não era, ainda, sujeita ao inferno do trânsito dos nossos dias, a ainda não se tinham sacrificado nelas árvores das Avenidas Novas para aumentar os lugares de estacionamento. A razão disso não era que os transportes públicos fossem muito melhores – o metropolitano continuava com as duas linhas com que se inaugurara, e autocarros e eléctricos, estes já a serem postos de parte, eram poucos e com horários muito espaçados – mas porque o parque automóvel era muito menor (e pior). Nesse tempo ainda era possível cruzarmo-nos, de madrugada, com carroças carregadas de produtos das hortas que vinham dos arredores para os mercados lisboetas…

A minha memória desses anos não pode deixar de estar profundamente marcada pelo 25 de Abril e sobretudo pelo 1º de Maio de 1974. Creio que Lisboa nunca terá vivido e porventura não voltará a viver um dia semelhante ao 1º de Maio (já escrevi sobre ele neste blog).
Também não posso esquecer o Novembro de 75, o ambiente tenso que contaminou a cidade.

Estes anos foram anos de consolidação profissional, ligando a profissão docente para a qual me preparara, à gestão – que tive de aprender com bons mestres que eram meus subordinados (!) mas com quem tive as melhores relações, e que me deram ferramentas importantes que usei nos anos que vieram.

A década caminhava para o seu final, e os rumos da educação tardavam a ser os que eu gostaria fossem tomados. Experimentara ser professor metodólogo no Liceu Pedro Nunes, chefe de divisão e director de serviços no Ministério da Educação, fora, durante cerca de ano e meio, consultor da Norma (Departamento de Psicologia Aplicada), quando numa altura em que regressara ao meu lugar de professor num Liceu de Lisboa (onde era efectivo, aliás: o Liceu D. Filipa de Lencastre), recebo um convite que mudou a minha vida. Em Fevereiro de 1977 esse convite faz-me viajar até Braga. Braga, que conhecia por em 1973 ter estado na equipa do Ministério que estabeleceu com o Conservatório Calouste Gulbenkian a sua integração na rede escolar pública, e por lá ter passado umas duas ou três vezes. Braga será, pois, a nova cidade onde vou viver.

2006/01/24

Os lugares onde vivi – Sintra – Mem Martins (1969-1970)


No ano em que estive no Funchal concorri de novo para um Liceu do continente – e como calculava, fui colocado em Castelo Branco. Depois de dois anos nas “ilhas” (era a expressão mais vulgar nesse tempo; hoje seria considerada pouco respeitosa para as regiões autónomas, e com alguma razão) ia começar um novo período. Com certeza que na altura o meu objectivo seria fixar-me em Lisboa, mas sabia que tinha de esperar alguns anos até ter vaga (já era assim nesse tempo…). Mas não me incomodava o conhecer novas terras, o problema era apenas andar com a casa às costas.

Assim, pensámos - minha Mulher e eu - que provisoriamente (antes de ir para Castelo Branco) seria melhor alugar para uma curta duração uma casa “de férias” – e Sintra foi a localidade escolhida. Tive sempre uma grande atracção por Sintra, que considero um dos mais belos lugares do país. E Sintra no verão é adorável. Por isso, entre fins de Julho e Setembro, foi lá que vivi. Depois de um ano de trabalho, era bom descansar – e descansei, gozando o ano e meses da minha filha, lendo, passeando. Estava sem carro (vendera o que tinha quando fora para os Açores e nessa altura não tinha dinheiro para comprar um).

Entretanto, interiorizava a mudança para Castelo Branco quando recebi um convite verdadeiramente inesperado. Conhecera, na Horta, um inspector do ensino liceal que fora lá para entre outras coisas, instalar novo equipamento no Laboratório de Física, o Dr. Túlio Tomás. Tínhamos uma grande diferença de idades, mas “acamaradámos”, se me é lícito o termo, e ficámos amigos. Ele soube da minha ida para o Funchal e naturalmente na minha colocação em Castelo Branco. Se bem me recordo, tínhamos combinado encontrar-nos em Lisboa, e foi nessa altura que me fez o convite de, no ano lectivo seguinte, trabalhar na Inspecção do Ensino Liceal, como professor requisitado. Como é evidente não recusei: a inspecção em si nunca me atraiu mas eu não iria ter, como era óbvio, tarefas de inspector. Esse meu tempo merece um post próprio; aqui só lembro o facto porque ele alterou o curso da minha vida. Em vez de ir para Castelo Branco, ia trabalhar em Lisboa. Urgia arranjar uma solução habitacional estável.

Em Sintra não poderíamos ficar para além de Setembro; e feitas as contas (sim, nessa altura era preciso fazer muito bem as contas, porque o dinheiro era curto) decidimos alugar uma casa em Mem Martins, onde as rendas eram mais baratas. Era um belo 2º andar, com um sótão excelente e até tinha garagem, que ficou vazia enquanto lá morei… Não muito tempo, na verdade: uma nova situação levou-nos a alterar os planos. Precisava de aumentar o meu pecúlio e por isso procurei um complemento de vencimento, e fui contratado para dar aulas de Psicologia na ESOCT (Escola Superior de Organização Científica do Trabalho), do ISLA (Instituto Superior de Línguas e Administração). Três vezes por semana tinha aulas à noite – entre as 20 e as 24. Isso fazia com que nunca chegasse a casa antes da 1 e pouco da manhã; e no outro dia (excepto ao sábado...) tinha de me levantar bem cedo. A minha Mulher (na altura professora do ensino primário, como se dizia) tinha sido colocada numa escola perto de Benfica, em Lisboa, mas só dava aulas de tarde. Ora todas estas condições pediam que nos mudássemos para Lisboa; íamos ter um encargo maior (se não me engano, passámos de uma renda de 900 escudos para uma de 2 200) mas tinha de ser.

De Mem Martins, do meu 2º andar da rua dos Lírios, tenho poucas recordações… Com excepção dos sábados e domingos, passei lá mais horas de noite do que dia. Saí sem saudades, nos começos de 1970, para um andar na Avenida Gomes Pereira, em Benfica.

2006/01/22

O meu voto



Acabo de regressar a casa depois de me deslocar à minha secção de voto – um passeio de uns quatrocentos metros, se tanto. Está uma manhã bonita, um pouco fria mas não exageradamente, mesmo para os nossos padrões. Havia pouco movimento na rua e na praça que tive de atravessar.

Cumpri o meu dever cívico (é assim que se diz). Sem entusiasmo. Embora acredite que seja qual for o resultado o curso da nossa vida vai seguir em frente, sem sobressaltos, julgo que os episódios que marcaram a incubação da campanha eleitoral e ela própria não ajudaram em nada a estabilidade do nosso futuro próximo.

Porque os dados estão lançados, aguardemos os resultados e aceitemo-los: são as regras do jogo…

2006/01/19

Os lugares onde vivi – Funchal (1968-1969)


Aproximar-me de Lisboa foi a razão de ter concorrido para o Funchal, com a certeza de ser lá colocado. Já conhecia a Madeira, por nas minhas viagens para os Açores os navios lá fazerem escala e em princípio estar um dia inteiro com tempo para visitar a cidade e até os arredores. O Funchal era à partida uma cidade simpática, com muita vida, já com ligações aéreas diárias, pelo que a opção se justificava. Até podia ler os jornais no próprio dia da sua saída, o que não acontecia nos Açores. Eram mais caros (muito mais caros: se não me engano, quadruplicavam o preço!).

Em meados de Setembro de 1968, com o país à espera de saber o que ia acontecer (Salazar caíra da célebre cadeira no forte de S. Julião da Barra, nos princípios de Agosto, fora operado e tudo indicava que não recuperaria) parti para o Funchal no paquete do mesmo nome. Desta vez, ia comigo a família: a minha filha nascera em Janeiro desse ano, o clima do Funchal não assustava, e por isso decidimos, com parca bagagem, empreender a mudança.

Não era difícil, na altura, encontrar casas mobiladas a preços compatíveis (é como quem diz…) com o vencimento de um professor no Funchal. Começámos por alugar um rés-do-chão de uma moradia na Rua do Conde de Carvalhal, bem no alto na direcção leste, com uma vista esplendorosa sobre a baía, mas que tinha um inconveniente: era ameaçada permanentemente por baratas, em especial baratas voadoras, uma espécie nojenta que encontrávamos a espaços na cozinha, na casa de banho, no quarto…

A decisão de sair aconteceu quando um dia encontrámos uma intrusa na cama da minha filha, com apenas 9 meses…

Foi-nos dito que na parte ocidental da cidade não havia tantas baratas, e por isso a minha Mulher pesquisou e encontrou, perto do Estádio dos Barreiros, na Ladeira da Casa Branca, uma moradia pequenina mas muito funcional, também com excelentes vistas de um terraço e um pequeno jardim com bananeiras. E foi aí que vivemos o resto do ano. Não ficava perto do Liceu, mas havia transporte e de manhã eu gostava de caminhar, numa viagem de cerca de meia hora, porque raramente chovia e não fazia frio no Inverno. O tempo mais quente e menos salubre é apenas em Agosto, e nesse mês não estive lá. Além disso a cidade é tão florida, tem uma vegetação tão exuberante, que o passeio era estimulante.

Foi um bom ano. Aprendi a gostar de anonas, esse fruto maravilhoso, e naturalmente comi quilómetros de bananas.

Duas memórias interessantes da minha estadia. A primeira reporta-se ao fim do ano. Aguardávamos, claro, o fogo de artifício. Ora no dia 31 de Dezembro de 1968 desaba uma tempestade na ilha, e quando digo tempestade foi mesmo uma tempestade; chuva torrencial, vento ciclónico, tudo junto deu cabo dos postos onde o fogo estava armado, inutilizando-os e impedindo o espectáculo. Creio que no dia 2, já com tempo melhor, ainda queimaram umas peças que tinham sobrado, mas muito fraquinhas.

A segunda respeita a Fevereiro de 1969. Um dia cheguei ao Liceu, de manhã, e disseram-me que tinha havido um grande tremor de terra em Lisboa. Aliás, houve quem jurasse tê-lo sentido no prédio mais alto do Funchal. Eu não sentira nada! Depois, foi a espera de poder contactar com a família em Lisboa, porque os telefones não funcionavam. Mais uma vez escapei de um tremor de terra!

Gostei bastante de estar na Madeira. No Liceu havia gente simpática e menos simpática, mas dei-me bem e deixei amizades. Os alunos eram agradáveis. Desta vez tive aulas de História do 3º ano (actual 7º), as quatro turmas, e ainda Filosofia dos cursos complementares.

Tinha aulas todas as manhãs, das 8 à uma da tarde. Muitas vezes depois de almoço voltava ao Liceu para estar com os alunos em actividades que se chamavam “circum-escolares”.

Foi também no Funchal que fui convidado por um grupo de professoras do ensino primário para o que hoje se chamaria uma acção de formação sobre metodologias de ensino-aprendizagem, a primeira de largas dezenas (ia escrever centenas mas seria exagero) que depois concretizei.

Lia semanalmente um jornal que se tornou um símbolo, O Comércio do Funchal, o jornal cor-de-rosa de que fui depois assinante até ao seu encerramento. Nele debutou o Vicente Jorge Silva.

Creio que nesse ano o Alberto João não estava na ilha, e mesmo que estivesse certamente não seria notado…

Voltei várias vezes à Madeira, antes e depois do 25 de Abril. E devo dizer que se há lugar no país que tenha mudado, esse lugar é a Madeira. Quase tudo, a não ser a beleza natural, mudou. E não são só as auto-estradas e vias rápidas que merece a pena salientar, são também as estradas que servem lugares perdidos nos vales e que outrora não existiam. Talvez se tenha construído demais, mas mesmo assim a Madeira continua a ser um belo lugar para viver.