2005/04/28

A Matemática e o resto (2)

O que é o resto?

Penso que chegou a altura de tomar as decisões que se imponham para tentar mudar o que está mal. Assim, o prolongamento do horário no 1º ciclo pode constituir uma dessas decisões, desde que não se façam dessas horas a mais um simples prolongar de soluções colectivas.

Nos anos sessenta, um psicólogo norte-americano, John B. Carroll apresentou um modelo de aprendizagem que foi objecto de alguma investigação que o considerou válido.

Muito simplificadamente, o modelo de Carroll traduz-se na seguinte fórmula:

Aprendizagem = f (tempo dispendido no estudo/tempo necessário para aprender)

ou seja, para aprender o aluno necessita de estudar durante o tempo que necessitar.

Para além desta premissa (que todos entendem como correcta porque as diferenças individuais são enormes) Carroll considerou ainda outras variáveis que podem explicar a variância nas aprendizagens: a capacidade para compreender, a qualidade da instrução, a perseverança do aluno.

Isto é: constitui o maior erro das nossas escolas a continuação de um sistema de ensino uniforme, que pretende que todos os alunos andem ao mesmo ritmo, que não diversifica planos de aprendizagem. Isto não significa, a meus olhos, que se abandone o regime de classe (até porque em muitas situações não é possível) mas sim que se individualize o tratamento dado a cada aluno, detectando o seu estilo de aprendizagem e dando-lhe o tempo necessário para aprender. A aprendizagem em pequenos grupos heterogéneos, se bem conduzida (aprendizagem cooperativa) transforma um ensino de classe em aprendizagens partilhadas que acabam por favorecer os ritmos individuais sem prejudicar os aspectos de socialização que a escola como instituição pode oferecer. Ou seja, os contextos de aprendizagem são condicionantes de extrema importância para o sucesso dos alunos.

O que, em relação a estas medidas anunciadas pela Ministra da Educação, é absolutamente necessário evitar, é que se entenda o prolongamento do horário escolar no 1º ciclo como um simples adicionar ao que já existe, sobretudo se existir mal (e em muitos casos assim será).

Os casos extremos (alunos cuja capacidade para aprender seja diminuída por motivos que se revelem impossíveis de superar em situação regular, e alunos cuja capacidade intelectual seja muito superior à média) devem ser considerados como tal e por isso objecto de um tratamento especial (e repare-se que entre nós a educação especial atende ao primeiro caso mas não se preocupa muito com o segundo). Confesso que nestes casos não tenho uma ideia muito clara do melhor método a seguir para encaminhar esses alunos. Os professores de apoio são uma resposta para alguns casos, mas para outros continuam a ser insuficiente resposta.

Portanto, e concluindo, não é só a Matemática que está em causa (e o Português?), é toda a arquitectura pedagógica que tem de ser considerada e seria bom que esta medida, inovadora apesar de simples, não fosse interpretada da pior maneira.

Haverá ainda mais “resto” para comentar…

8 comentários:

«« disse...

Excelente texto professor...mas deixe que lhe diga (com toda a humildade) que me parece estar na hora de experimentar fazer turmas de níveis...de maneira a que se possibilite os alunos poderem, dentro do ciclo fazerem as disciplinas a seu ritmo, o que ajudaria aos professores se debruçarem melhor sobre as competências, em vez de estarem “cegos” pelos conteúdos. Quanto à medida da Sra. Ministra, temo que seja por causa dos pais que continuam a não ter tempo para estar com os filhos e isso é que me preocupa.

Nos tempos que correm a estrutura familiar já é diferente, contudo o tempo que os pais devem dar aos filhos continua a ser ínfimo (já nem vale a pena referir estudos que provam isso, porque já foram demais referidos). Não é possível apelar ao papel da família, se em vez de criar condições ao nível do código do trabalho que proporcione aos pais o acompanhamento dos filhos, o que se faz é criar condições para que os filhos possam estar “entretidos”, para pedir mais trabalho aos pais. Depois culpam a família e a escola de não fazer bem o seu papel.

saltapocinhas disse...

Não tenho nada a acrescentar ao que escreveste neste artigo a não ser em relação aos alunos "sobredotados" (embora não goste desta palavra). Já tive alguns e é fácil encaminhá-los. Se eles avançam mais que os outros, continuam a avançar e pronto...Não deve haver nada mais deprimente do que estar numa aula onde só se ouve repetir aquilo que já dominamos. Os alunos que tive assim fizeram o 1.º ciclo em 3 anos e seguiram adiante.

Anónimo disse...

Também concordo que se devia criar condições ao nível do código do trabalho para que os pais pudessem acompanhar os seus filhos...no entanto também pergunto: quanto tempo os pais ocupam noutras actividades (na minha opinião bem menos importantes) em detrimento do referido acompanhamento?

«« disse...

concordo em absoluto...mas uma coisa não invalida (nem justifica) a outra...

Anónimo disse...

É verdade...
Já agora gostaria de acrescentar algo mais a este assunto. Penso que o acompanhamento dos filhos deveria ser visto mais como um "gosto" e não como uma obrigação, e a escola pode ajudar neste sentido se, da mesma forma que convoca os pais quando há algum problema, também os chamar para dizer que o filho está de parabéns ou para participarem numa actividade em que este também participa.

«« disse...

Tenho essa experiencia e sei que muitos sentem-se estimulados..apesar de tb já me terem perguntado se os tinha chamado só para isso.

Anónimo disse...

Só um esclarecimento: os pais fizeram essa pergunta devido a essa situação não ser habitual ou porque achavam que esse motivo não era suficientemente importante que justificasse a sua ida à escola?

Cândido M. Varela de Freitas disse...

A Miguel Sousa

Bom, eu não simpatizo mesmo nada com a ideia das turmas de nível. Em primeiro lugar, nunca será possível determinar exactamente áquilo que seria o "nivel" desejado, e em segundo lugar a investigação feita tem sugerido que a hereogeneidade não prejudica, antes valoriza, as aprendizagens individuais. Tem razão no que se refere à cegueira pelos conteúdos, mas isso tem de ser resolvido de uma outra maneira que não escalando os meninos por níveis de capacidades. Eu defendo na verdade um ensino de classe em que seja possível individualizar: isso é possível no nosso 1º ciclo (a Saltapocinhas pode escever sobre isso, tenho a certeza).

Quanto ao problema dos pais, que foi chamado para a discussão sem eu o ter levantado, merece uma reflexão mais cuidada de minha parte. Se não se importam, dentro de unsa dias farei um post sobre isso.