2005/04/24

Nomeações de carácter político


Concordo com a decisão do governo socialista de limitar os mandatos para quem detém cargos de natureza política (e a maioria dos portugueses concordará também, estou certo). Concordo igualmente com os concursos para lugares de topo da administração pública, para evitar os convites, eventualmente propiciadores de práticas pouco recomendáveis de compadrio. Tenho, porém, grandes reservas à decisão de ligar os directores-gerais à cor política dos governantes. O director-geral (ou alguém que se lhe equipare à frente de uma organização estatal) não deve ser escolhido por ser um político mas pela sua competência técnica. E como técnico tem apenas de conduzir a política do governo. Deve, naturalmente, fornecer ao governo as informações e fazer as propostas que os seus serviços elaborem (e essas informações e propostas devem ter em conta, necessariamente, as orientações do governo). Se alguma vez uma orientação for por ele considerada uma violência, só tem um caminho: demitir-se. Mas enquanto cumprir a politica do governo com lealdade não deve ser substituído.

Num passado muito passado o cargo de director-geral era vitalício, o que podendo parecer uma enormidade tinha alguma razão de ser. Embora o grau de dificuldade de gestão de uma Direcção-geral varie, é indispensável um conhecimento profundo dos serviços e dos dossiers (detesto escrever dossiés!) pelo que só uma permanência continuada se adequa a esse total conhecimento. Os governos mudam e podem por vezes mudar em prazos curtos, pelo que um director-geral deveria ser a peça mais importante para a ligação dos serviços com o Ministério respectivo. Se for um político, o mais certo é desinteressar-se dessa tarefa – pelo menos…

Posso fazer uma analogia com o que se passou depois do 25 de Abril (amanhã vou publicar um post com as minhas memórias dessa data!) no Ministério da Educação. Depois de um período inicial em que não houve mexidas, os directores-gerais foram todos substituídos. Na minha Direcção-geral, que tinha à sua frente um homem notável pela sua energia, capacidade de trabalho e competência em relação a tudo o que dizia respeito ao ensino secundário, foi empossado um homem excelente como pessoa e como profissional de primeira água, na área da sua especialidade, mas sem qualquer experiência de gestão; meses depois foi substituído por outro do qual se podia dizer a mesma coisa com um acrescentamento – era político de alto a baixo… Eu era na altura chefe de divisão, não fui “saneado”e por isso permaneci e tive ocasião de presenciar a decadência profunda de uma estrutura que era de grande qualidade (perdoe-se-me este elogio em causa própria) e ficou literalmente “em cacos”. Por outro lado, a desconfiança política dos governos de então para com os estudos, pareceres e propostas da Direcção-Geral era enorme. Terá começado então a moda dos grupos de trabalho “ad hoc”, dos “secretariados”, dos assessores, que faziam, com muito menos competência do que os serviços, o trabalho encomendado pelos Ministros. Coisa que ainda hoje existe, infelizmente.

Esta decisão de “indexar” os directores-gerais à cor política do governo é, a meu ver, infeliz. Em vez de se privilegiar a capacidade técnica pode muito bem acontecer (estou a ser optimista…) que se privilegie a dedicação ao partido, o que é lamentável e pode ter custos elevados: se esse director-geral não for cauteloso para com os seus quadros, inferiores na hierarquia, podem vir a existir problemas.

Dito isto, posso compreender a delicadeza de legislar sobre este tema, mas a solução, que pode politicamente ser bem aceite pelos partidos, que ficam assim com mãos livres, agora e no futuro, para a nível dos mais elevados lugares da administração pública, colocarem pessoas de sua confiança, pode ter efeitos muito perversos, bloqueando, na altura da passagem do testemunho, processos em curso, e introduzindo nos serviços intranquilidade e desmotivação.

Desta vez, até estou mais ou menos de acordo com António Barreto (no Público de hoje), como concordo com Manuela Ferreira Leite) no Expresso de ontem, os quais abordaram este assunto.

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