Na quinta-feira passada tive uma reunião de um júri de concurso académico na Universidade Aberta. Na viagem de Braga para Lisboa, agora tão confortável e relativamente rápida com o Alfa pendular, revisitei as memórias da minha juventude, muito ligadas à zona lisboeta onde hoje é a Aberta. E decidi, porque tinha algum tempo, deambular por ruas e praças que conhecia como as minhas mãos quando fui aluno do Liceu de Passos Manuel e depois da Faculdade de Letras, que nessa data funcionava nos pisos inferiores do Convento de Jesus, na agora denominada Rua da Academia das Ciências (até se dizia, por graça, que a Faculdade de Letras de Lisboa era a única escola na qual, para se subir na vida, se começava a descer…).
Desci em Santa Apolónia, almocei na Baixa – o que outrora fazia com alguma frequência – e fui depois aos Restauradores para tomar o elevador da Glória. No alto, olhei a cidade de S. Pedro de Alcântara, subi a D. Pedro V e passeei quase comovidamente no Príncipe Real, onde tantas e tantas vezes desci do eléctrico que, rumo ao Carmo, tomara em S. Sebastião da Pedreira (onde morava). Já não há eléctricos – há muitos automóveis, autocarros… Permanecem as árvores centenárias, e descubro diferenças – para que se implantasse um pavilhão envidraçado alteraram o jardim, lembro-me que ali havia dois bancos que já não existem… Entro na Rua da Escola Politécnica e o meu olhar procura a Casa das Cortiças, uma loja curiosa que vendia apenas objectos de cortiça… Claro que já não existe. Mas, quase a chegar ao Palácio Ceia, deparo à minha esquerda com a Pastelaria Cister. A Cister! O refúgio de tantos de nós, mais de alunos da Faculdade de Ciências do que das Letras, é verdade, o lugar onde tantas e tantas vezes bebia a bica e, se com fome, acompanhada de um folhado de carne… Entrei. Claro que está diferente, mais ampla. Há ainda quem esteja a acabar de almoçar. Creio que não serviam almoços, há cinquenta anos. Peço a bica (cheia) e recuo a 1955. Há cinquenta anos. Era aluno do 1º ano do curso de Ciências Históricas e Filosóficas. Recordo colegas, por boas e más razões. Recordo professores desse 1º ano: quem, das novas gerações, se recordará deles? Luís Schwalbach, Luís Ribeiro Soares, Irisalva Moita, Mário de Albuquerque, Scarlat Lambrino, Artur Moreira de Sá… Quase todos já falecidos. Pergunto-me: influenciaram-me? Estes, provavelmente, não: mas mais tarde fui aluno de Vieira de Almeida, Virgínia Rau, Ferreira de Almeida, esses, de algum modo, deram-me algumas pistas para o futuro. Schwalbach, professor de Geografia Humana, era um velhote simpático que ditava (!) as suas aulas, que tinha memorizadas a ponto de quase poder dizer quando devia ser parágrafo… Tivemos, como trabalho extra, de elaborar uma monografia de uma localidade e eu decidi-me por Canas de Senhorim, porque tinha uma familiar que tinha nascido lá; e não é que pus, na altura, a hipótese da restauração do concelho? Talvez um dia volte a falar desse meu primeiro trabalho na Universidade… Lambrino, que era um excelente epigrafista, um romeno emigrado em Portugal, dava as aulas em francês, e começava invariavelmente a prelecção dizendo “Comme nous avons eu l’occasion de voir dans la notre leçon précédente…” Gostei da disciplina e do professor, apesar de ser também apenas um falante. Mas essa era a norma. Era? Ou, em larga medida, ainda é? E a reflectir sobre o passado que revivi e comparando com o presente, vi que era tempo de me dirigir à Universidade Aberta. Cá está, onde há cinquenta anos se falaria de Universidade Aberta? A primeira (a
Open University) data de 1960...
Saí da Pastelaria Cister provavelmente com um vago sorriso de quem recuara cinquenta anos e se vira com a farta cabeleira que hoje não tem, procurando enxergar se o eléctrico 24 já se divisava dos lados do Príncipe Real. Já não há eléctricos, o meu cabelo foi-se, mas a Cister, essa, centenária, lá está. A ligar as memórias de gerações.