Uma semana antecipadora de férias – um conceito que certamente vou ter de rever, dada a situação de descartado de serviço efectivo me permitir sentir-me em férias sempre que eu queira – serviu para prolongar a reflexão sobre o momento por que passa a discussão acerca da educação que temos. Alguns dos meus leitores deram-me razões para pensar que vale a pena, serenamente, ir preparando o futuro.
Nada do que se passa aqui é diferente do que se passou noutros países (e ainda hoje passa): às perguntas “para que serve a escola?” ou “para onde vai a educação?” podem existir várias respostas, que reflectem, necessariamente, posições pessoais, construídas sobre pressupostos que eu designarei abrangentemente como filosóficos, já que derivam de concepções acerca da natureza humana, da sociedade, da vida.
Há assim quem pretenda que a educação seja um benefício para todas as crianças (restrinjo-me agora a este grupo etário) e quem defenda princípios de selectividade logo nesta fase básica do desenvolvimento.
Há quem pense que o essencial da educação básica é fornecer à criança os instrumentos para que possa aprender (as linguagens: ler, escrever, fazer contas) e quem pense que o essencial é ensinar matérias que constem de programas claramente definidos.
Há quem pense que é necessário que as crianças aprendam na escola como trabalhar em grupo, no sentido de desde muito cedo adquirirem competências sociais, e quem pense que esse tipo de actividade é inútil e até prejudicial.
Há quem pense que os exames periódicos, universais, são indispensáveis porque só assim as crianças são levadas a aprender, e quem pense que os exames são provas pouco credíveis e que por isso devem ser evitados.
Estas posições existem entre nós, e existem em qualquer país do mundo, que ninguém duvide…
Felizmente, a pouco e pouco o desenvolvimento científico alargou o campo de contribuições válidas para pensar a educação: a psicologia por um lado, a sociologia por outro, alargaram o conhecimento das crianças, adolescentes e adultos enquanto estudantes, dos seus comportamentos individuais e em sociedade.
Foi então possível que a educação, como um todo complexo no qual coexistem várias disciplinas, emergisse como uma área científica, acolhida nas Universidades dos países mais evoluídos relativamente cedo: o Instituto de Educação da Universidade de Londres festejou há quatro anos o seu centenário, e nos Estados Unidos a Universidade de Colúmbia desde 1898 publica a revista Teachers College Record, que tem, pois, a provecta idade de 106 anos!
Entre nós, gorados alguns esforços para termos o passo acertado, aceitou-se que as Faculdades de Letras oferecessem cursos de ciências pedagógicas para quem queria ser professor, mas só nos anos 70 a educação entrou a sério na Universidade. Não foi fácil a sua aceitação, mas passados 30 anos creio que a comunidade científica deixou de ter dúvidas acerca do seu interesse e mérito. Não toda, é verdade: mas deixemos democraticamente que quem quiser se expresse, e se sujeite, claro, ao contraditório…
Por isso eu espero pelos tais fóruns de discussão que não quero restritos a quem se dedica à educação. Com uma ressalva: que os que neles entrem não combatam factos com opiniões!
Como modesta contribuição para o debate, vou tentar em futuros posts evidenciar alguns pontos quentes da discussão actual.
1 comentário:
Exactamente: em todo o mundo há quem pense a) e há quem pense b).
Como de um modo geral nem a) nem b) podem ser provados, há países em que é dada às escolas e aos professores liberdade de optar por a) ou b), e aos pais de escolher a escola; e outros países, como o nosso, em que quem opta por a)ou b)é o Estado, impondo essa opção a toda a gente por meio duma monstruosa burocracia educativa e de dezenas de milhar de páginas - mesmo assim sempre insuficientes - de regulamentação.
Isto pode ser muito bom para aqueles alunos, pais ou professores que não tenham opções filosóficas com incidência em matéria educativa, ou que por improvável coincidência as tenham iguais às do Estado. Mas é com certeza muito mau para aqueles que as tenham diferentes.
Já estou como Pacheco Pereira: nos tempos que correm a única oposição possível é uma oposição liberal. Com efeito, numa sociedade plural como a nossa é hoje, não se pode impor a todos um só modelo educativo baseado numa só filosofia, por mais impecáveis credenciais académicas que esta apresente.
Tem que haver diferentes modelos, baseados em diferentes visões do Homem e do Mundo e dirigidas a diferentes necessidades educativas. Para permitir a «ligação ao concreto» o Estado não pode continuar a proibir o abstracto. Para permitir a inclusão não pode continuar a proibir a selecção. Para permitir a entrada da cultura de massas na escola não pode continuar a proibir a erudição. E assim sucessivamente.
A escola tem que ter autonomia. Mas autonomia de facto, que inclua algumas opções filosóficas de base, e algum real poder de decisão - e não consista, como a actual «autonomia» consiste, em processos de homologação sucessivos pelos quais as escolas são levadas a decidir, por exclusão de partes, aquilo que a tutela já antes tinha decidido.
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