2006/06/20

O nosso feitio …


Quanto mais leio Eça maior respeito tenho pela sua argúcia na leitura do país e na maneira como nos transmitiu, com uma ironia fina, o seu pensamento. Recordo com frequência trechos que quase sei de cor quando os posso aplicar ao que vai acontecendo agora neste país. E ontem, dei por mim a recordar um trecho de Os Maias, uma troca de palavras entre Carlos e Cruges quando se dirigiam a Sintra. É este:

- Ninguém faz nada, disse Carlos espreguiçando-se. Tu, por exemplo, que fazes?
Cruges, depois de um silêncio, rosnou encolhendo os ombros:
- Se eu fizesse uma boa ópera, quem é que ma representava?
- E se o Ega fizesse um belo livro, quem é que lho lia?
O maestro terminou por dizer:
- Isto é um país impossível...


Esta ideia de que vivemos num país impossível é muito actual. Cultivamos com esmero a ideia de que caminhamos (e alegremente!) para o abismo, e qualquer sinal de mudança é desvalorizado, qualquer pequeno êxito é escamoteado. Temos sido inconscientes, sim, mas parece que se começou a perceber que se tinha chegado ao ponto de não evitar mais as decisões difíceis. Não seria tempo também de procurar ser mais optimista do que pessimista? Não seria tempo de deixarmos de pensar que este país é impossível?

1 comentário:

Graza disse...

Só agora aqui cheguei, via "Revista Pontos nos ii" e apenas li dois posts. Percebo o cansaço que está a levar à pausa, mas gente que pensa desta forma o país, faz falta. Sei que é difícil lançar palavras ao vento, e não ouvir o eco, mas há que acreditar que um dia uma delas cai, pega e dá fruto.
Se o Eça não pensasse assim, não estaríamos hoje a colher o fruto da suas palavras.