Na minha vida tenho tido, em múltiplas ocasiões, de entregar chaves que usei durante mais ou menos tempo. Sempre que mudei de casa, incluindo as de férias, quando no fim do ano, nas escolas, desocupava cacifos ou gavetas, nas incontáveis vezes que saio de um hotel ou residencial… Este acto simboliza um corte, que se aceita naturalmente: de algum modo é um acto de renúncia – não me vai mais ser dado usar livremente aquilo de que dispus do instrumento normal de acesso.
Hoje, entreguei também três chaves – a do que foi o meu gabinete de trabalho durante os últimos vinte e um meses, a da gaveta que, durante a noite, guardava o computador portátil que por vezes usava, e finalmente a do ascensor que me evitava subir seis lanços de escada bem puxados. E foi curioso o que senti: por um lado, uma amargura difusa por deixar uma tarefa a meio, tarefa que apesar das dificuldades e das incompreensões de uns tantos me deu prazer ter iniciado, misturada com o reforçar da certeza que a hora está a chegar (está a menos de duas semanas!) Por outro lado, senti um bem-estar que quase me incomodou porque ia perder o convívio tão agradável de quem trabalhava quotidianamente comigo e se mostrava emocionado pelo momento. Percebi depois que o bem-estar derivava um pouco disso mesmo: de me sentir uma vez recompensado por ter feito o melhor que sabia, por ter criado um clima agradável, de ter gerado amizade. Afinal, só fechara as portas do gabinete: conservara muitas outras abertas, como sempre fiz na vida.
2 comentários:
Um grande e apertado abraco para ti, meu caro Varela de Freitas.
olá professor Varela
Não fechou porta nenhuma, porque a vida não tem portas! Conheci-o num programa da RUM (lembra-se?, o Carlos Coelho...) e a aprtir daí fui acompanhando o seu caminho com profunda admiração. Vá para uma janela e quando eu passar largue aquele sorriso tão característico de si!
Um abraço de admiração
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