2005/12/26

Os lugares onde vivi – Coimbra (1964 – 1965)


No dia 3 de Janeiro de 1964 comecei o meu estágio em Coimbra, e na Atenas portuguesa, que parece já era assim conhecida desde o século XVI. Coimbra não era uma cidade desconhecida, já por lá passara muitas vezes, mas nunca ficara por muito tempo (recordo-me de uma vez, andava eu no meu 4º ano da Faculdade, ter ido visitar um colega que "fugira" de Lisboa para Coimbra e ter dormido uma ou duas noites na casa onde vivia, bem na Alta). Regressado um pouco à vida de estudante, até porque ia passar dois anos sem ter vencimento (como a formiguinha, poupara algum dinheiro para a ocasião), aluguei um quarto mesmo em frente ao então chamado Liceu D. João III, que depois do 25 de Abril retomou o nome do velho patrono, José Falcão. Embora no 2º ano tenha mudado de quarto não mudei de zona; continuei a ver todos os dias o Liceu porque me desloquei apenas uns cinquenta metros, se tanto.

Em posts anteriores já falei do meu estágio, lembrando como em Maio de 1965 fizera os exames de saída e de Estado. Hoje o meu intuito é recordar Coimbra como local para viver. Cidade de extremos, digo já: passei em Coimbra os maiores frios, mesmo sem neve, e os maiores calores. Lembro que uma noite, em Julho, o ar era tão sufocante que parecia que uma força estranha me impedia de respirar.

Fora isso, Coimbra foi uma cidade simpática, surpreendentemente acolhedora e agradável. Quando era estudante em Lisboa tinha, como muitos colegas meus, uma certa desconfiança para com o “espírito coimbrão”; tenho de admitir que era uma visão errada.

Coimbra, na altura evidentemente mais pequena do que hoje, apareceu-me como uma cidade onde tudo me parecia perto, ainda que o sobe-e-desce constante fosse cansativo. Mas se precisava de ir a uma das bibliotecas, ou a uma Livraria da Baixa comprar um livro, ou apenas “desanuviar”, em dez, quinze minutos, chegava onde queria. Os eléctricos eram um bom meio de transporte. Havia imensos lugares onde se podia almoçar ou jantar em conta (não direi que a comida fosse 5 estrelas, mas era razoável). E gostei francamente do ambiente académico de Universidade, que não existia em Lisboa, onde as escolas eram longe umas das outras e onde não convivíamos a não ser com os colegas de curso. No Café Atenas, onde tinha a maior parte das refeições, rapidamente acamaradei com estudantes (eu não era substancialmente mais velho que eles) mas também com colegas já formados que alimentavam, ali, a continuação de tertúlias de outrora.

Para não fugir à regra, foram dois anos muito trabalhosos, com a agravante de, pouco tempo depois de ter começado o estágio a sério (isto é, a “dar” aulas) ter adoecido gravemente, com uma crise de reumatismo articular agudo, que durante mês e meio me afastou do estágio e de Coimbra (como já referi em post de Maio deste ano). Parece que da doença não ficaram sequelas pelo menos visíveis, e alguns meses depois sentia-me forte como dantes.

O ritmo do trabalho impôs-me a necessidade de muitas vezes sair sem destino, “vagueando” pela cidade, apenas para relaxar. Como não vivia muito longe do Penedo da Saudade os meus passos para lá se dirigiam, ou para Celas, muito mais do que para a Baixa.

Guardo da Coimbra onde fiz estágio memórias maioritariamente agradáveis, e não posso deixar de pensar que muito da afectividade que me liga à cidade tem a ver com a própria actividade bem sucedida, a nível profissional mas também a nível das relações com as pessoas com quem mais me dava, que foram excelentes. No final do estágio, acalentava mesmo a ideia de poder continuar no Liceu, porque era regra o Reitor convidar os melhores estagiários para continuarem, como agregados, no Liceu. Isso não aconteceu, porém: aos olhos do Reitor eu devia configurar um potencial (senão actual…) pró-comunista, como fora mais ou menos patente quando da minha intervenção na chamada conferência pedagógica a que éramos obrigados, e em que eu cometi o grave delito de dizer que para o ensino da história contemporânea era importante a existência de uma imprensa isenta, dando como exemplos Le Monde e The Observer...

Por isso, no ano seguinte concorri e fui colocado em Aveiro.

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