2005/07/05

Mais sobre estágios na formação de professores (3)


É evidente que defendo a liberdade das universidades, como o Luís defende; os alunos devem saber o que querem e os riscos que correm ao matricularem-se num curso e não noutro. Simplesmente, na formação de professores as Universidades (e Politécnicos, no nosso caso) não estão isoladas. Elas sabem que a esmagadora maioria dos alunos desses cursos irão concorrer a escolas públicas, e nessas escolas a tutela é do Ministério da Educação, que fixa os seus quadros e tem de atender ao volume de alunos que nelas se inscrevem.

Ou seja, muitos alunos escolhiam e escolhem os cursos de formação de professores porque viam (vêem) nessa escolha o caminho mais fácil para um emprego rápido e garantido. Isto foi verdade durante bastante tempo; deixou de o ser há já uns anos.

Não está em causa que esse curso, ainda que direccionado para o ensino, não tenha em si o valor de um curso superior e seja portanto uma mais-valia que o aluno sempre aproveitará. Mas insisto, seria óptimo que um diplomado exercesse na área da sua especialização e não em actividades marginais. Afinal, foi para isso que ele estudou e se preparou! Claro que o problema do emprego tem por vezes soluções algo curiosas. Ainda no passado fim-de-semana uma das revistas domingueiras publicava uma pequena reportagem com uma jovem cientista (astrofísica) que trocou a investigação por um lugar no sistema financeiro londrino, graças a competências específicas aprendidas no seu curso. Quando estive nos Estados Unidos e mudei de casa, através de um anúncio no jornal telefonei a um Jeff que tinha uma carrinha própria para o transporte dos tarecos, e apareceu-me um canadiano, jovem, doutorado em linguística, com uma cultura que me surpreendeu (conversou sobre a política portuguesa da época – Soares-Cavaco – com à vontade!), e que para sobreviver comprara a carripana e usava a força dos seus braços (ainda eu que tivesse tido de o ajudar…).

Seja como for, não posso deixar de pensar que esta situação de se formarem anualmente uns milhares de professores que não vão ter colocação deveria ser travada – ou pelo Ministério ou por auto-regulação das instituições de ensino superior.

Quer gostemos quer não, as Universidades não podem deixar de ter em mente as saídas profissionais dos seus alunos, por muito que se defendam os valores culturais imanentes. Eu ainda sou do tempo em que o Grego e o Latim tinham algum estatuto no ensino secundário terminal – veja-se como são hoje tratados. Eu defenderia a sua importância não só como instrumentos culturais, mas seria de todo impensável que conseguisse que fossem recuperados para um currículo actual.

Reparo que o tema estágios quase desapareceu neste post – acabei apenas por clarificar (espero) posições anteriores que mereceram comentários. Mas quanto aos estágios, e melhor esperar por uma concretização das ideias anunciadas pela Senhora Ministra.

14 comentários:

saltapocinhas disse...

A vida está difícil e é muito frustrante para um jovem ter uma vocação e não a conseguir seguir como profissão. Imaginas as centenas de pessoas que dariam óptimos professores cheios de garra e vontade de inovar que estão à espera de colocação há anos?
Mas claro que também há quem tire um curso de ensino por achar que vai ter um emprego garantido e não tem vocação nenhuma!
E como distinguir as pessoas?

saltapocinhas disse...

ah, e o que mais me arrepia e chateia é haver pessoas que não têm curso nenhum e que entraram para o ensino não se sabe bem como, mas lá ficaram agarrados que nem lapas a tirar lugar aos verdadeiros professores...

Luís Aguiar-Conraria disse...

"E como distinguir as pessoas?"

Fazendo uma avaliacao profissional a serio e despedindo os maus professores. E pena que seja tao complicado fazer isto, mas continuara a ser impossivel enquanto os sindicatos tiverem tanta forca e continuarem a actuar da forma que actuam.

Miguel Pinto disse...

Luís, pelo que depreendi consideras os sindicatos uma força de bloqueio para a acção benigna do executivo, nomeadamente, o despedimento dos “maus professores”. Posso inferir das tuas palavras que é viável a negociação entre o ME e os professores sem a presença dos sindicatos? Dito de outro modo, posso inferir que defendes uma negociação individual dos contratos de trabalho?

Luís Aguiar-Conraria disse...

Miguel
"Luís, pelo que depreendi consideras os sindicatos uma força de bloqueio para a acção benigna do executivo, nomeadamente, o despedimento dos “maus professores”."

A parte de ser forca de bloqueio depreendes bem. A parte da accao benigna do governo... nao faco a minima ideia de como chegaste a essa conclusao.

De qualquer forma, ainda nao perdi a esperanca de de uma forma moderna, que os sindicatos passem a actuar precupando-se com os alunos, e que nao sejam uma mera agremiacao de interesses dos seus associados.

"Posso inferir das tuas palavras que é viável a negociação entre o ME e os professores sem a presença dos sindicatos?"

A resposta so' pode ser uma: obviamente que e' possivel. Ha' varias estados nos EUA onde nao existem sindicatos de professores. Podemos gostar ou nao, mas isso e' outra questao, a tua pergunta era se era possivel.

Finalmente perguntas se podes "inferir que [defendo] uma negociação individual dos contratos de trabalho?"

A partida nao sou contra alguma flexibilidade por parte das escolas, mas nao me parece que seja essencial neste momento. Para ja', ficaria imensamente contente que se conseguisse premiar os bons professores e penalizar os maus. Isso ja' permitiria um grande salto qualitativo no nosso ensino. Depois, daqui a 10 ou 15 anos, ver-se-ia se havia mais melhoramentos a fazer.


Ja agora, fazendo o mesmo raciocinio extrapolatorio que fazes, posso depreender que achas que, numa altura em que ha' dezenas de milhares de professores sem colocacao, se deve continuar a garantir o emprego dos maus professores? E que estes devem ser tratados da mesma forma que os bons professores?

Luís Aguiar-Conraria disse...

No terceiro paragrafo deve ler-se:

De qualquer forma, ainda nao perdi a esperanca que, de uma forma moderna, os sindicatos actuem precupando-se com os alunos, e que nao sejam uma mera agremiacao de interesses dos seus associados.

Miguel Pinto disse...

Luís
”A parte de ser forca de bloqueio depreendes bem. A parte da accao benigna do governo... nao faco a minima ideia de como chegaste a essa conclusao.”

Se o governo despedir os maus professores está a desenvolver uma acção benigna. Ou não?

”De qualquer forma, ainda nao perdi a esperanca de de uma forma moderna, que os sindicatos passem a actuar precupando-se com os alunos, e que nao sejam uma mera agremiacao de interesses dos seus associados.”

Os sindicatos defendem os interesses dos professores, seus associados. Os pais e encarregados de educação defendem os interesses dos alunos. Não será assim?

“ Ha' varias estados nos EUA onde nao existem sindicatos de professores. Podemos gostar ou nao, mas isso e' outra questao, a tua pergunta era se era possivel.”
Os professores agrupam-se numa espécie de comissão de trabalhadores e negoceiam com a direcção das escolas, é isso? Se responderes afirmativamente a questão é saber se há diferenças de actuação entre um sindicato e a comissão de trabalhadores.

”Ja agora, fazendo o mesmo raciocinio extrapolatorio que fazes, posso depreender que achas que, numa altura em que ha' dezenas de milhares de professores sem colocacao, se deve continuar a garantir o emprego dos maus professores?”
Não. Podes depreender que o professor tem de saber o que é um mau professor, o que deve fazer para se transformar num bom professor e ser-lhe concedida a oportunidade para alterar a sua condição. Não tenho uma visão maniqueísta do problema na medida em que considero que há uma distância muito curta a separar um bom professor de um mau professor.

Luís Aguiar-Conraria disse...

"Se o governo despedir os maus professores está a desenvolver uma acção benigna. Ou não?"

Sim. Mas de qualquer forma nao foi isto que tu disseste originalmente. Originalmente estava implicito que a accao do governo era benigna, mas tu nao tinhas especificado qual a accao. Que eu saiba, ate' hoje nunca um governo tentou, de forma consistente, despedir os maus professores, pelo que estava longe de imaginar que era a esta accao que te referias. Mas sim, concordo. Os maus professores nao devem ser professores, os maus recepcionistas nao devem ser recepcionistas, os maus cientistas nao devem ser cientistas, os maus taxistas nao devem ser taxistas, e por ai fora.

"Os sindicatos defendem os interesses dos professores, seus associados. Os pais e encarregados de educação defendem os interesses dos alunos. Não será assim?"

Precisamente. Vejo que percebeste qual o meu problema. Portanto fica claro que os sindicatos se estao nas tintas para o bem comum e apenas procuram os seus interesses. Estamos de acordo portanto.

"Os professores agrupam-se numa espécie de comissão de trabalhadores e negoceiam com a direcção das escolas, é isso? "

Nao. A negociacao e' individual. Mas eu sou a favor da liberdade de associacao, pelo que nao vejo mal nenhum que os professores se juntem em sindicatos ou em comissoes que negoceiem por eles. Em relacao a isto, como ja' disse antes sou a favor de uma descentralizacao de competencias, com cada escola a tratar dos seus assuntos. Assim grande parte dos conflitos nacionais deixariam de fazer sentido e passavam a ser locais.

"Não. Podes depreender que o professor tem de saber o que é um mau professor, o que deve fazer para se transformar num bom professor e ser-lhe concedida a oportunidade para alterar a sua condição. Não tenho uma visão maniqueísta do problema na medida em que considero que há uma distância muito curta a separar um bom professor de um mau professor."

OK, E' bom saber que as vocacoes sao irrelevantes. Ja' agora como te propoes fazer isto?
E ja agora se depois de se fazer o que vais propor alguns professores continuarem a ser maus professores o que se deve fazer com eles? Preparar novos planos de accao para se tornarem melhores?

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Congratulo-me com o diálogo tão interessante a que a minha Memória deu guarida - e mais se poderão seguir! - e só tenho pena que estes dias tenham sido e continuem a ser até sábado tão cheios que me impedem de uma maior participação. Tenho de facto sido crítico dos Sindicatos - em especial os que estão ligados à função pública, porque o Estado é um patrão muito especial. Mas reconheço que podem ter um papel importante.
Espero que os debates continuem!

Miguel Pinto disse...

Luís
”OK, E' bom saber que as vocacoes sao irrelevantes.”
Não sei como chegaste a essa conclusão. Tenho defendido, exactamente, uma tese discordante.

“Ja' agora como te propoes fazer isto?”
Creio que te referes ao trabalho de reabilitação dos professores. Repara que admiti um reordenamento conceptual das más práticas porque verifico que a redacção do articulado do estatuto da carreira docente referente aos deveres profissionais é ambígua e acolhe uma diversidade de olhares sobre o desempenho docente.
O que é um mau professor? Será que o olhar administrativo é suficiente para o classificar?

”E ja agora se depois de se fazer o que vais propor alguns professores continuarem a ser maus professores o que se deve fazer com eles? Preparar novos planos de accao para se tornarem melhores?”

Não precisamos de ir tão longe…
Hoje, é possível [cf. código de procedimento administrativo] expulsar um professor do sistema educativo.

Luís Aguiar-Conraria disse...

"Tenho defendido, exactamente, uma tese discordante."

Quando falas em accoes de formacao que tranformam maus em bons professores nao e' isso que das a entender. Mas foi meu o mau entendimento. Portanto consideras que quem nao tem vocacao para professor deve ser afastado? Ou vais dizer que nao sabes como medir as vocacoes, pelo que a pergunta nem tem sentido? Ou deve haver accoes de formacao para dar vocacao aos professores?

"O que é um mau professor? Será que o olhar administrativo é suficiente para o classificar?"

Quando se fazem estas perguntas em vez de procurar as respostas costuma ser sinal de que nao se querem avaliacoes a serio. Mas, mais uma vez, de certeza que sou eu que estou enganado.

"Hoje, é possível [cf. código de procedimento administrativo] expulsar um professor do sistema educativo."

E' sim senhor. Deve ser uma pratica muito generalizada porque eu proprio conheco um caso.

Todos os maus professores que eu conheco tem medo de ser despedidos, pelo que mais uma vez era eu que estava errado, ao dizer que os maus professores deviam ser afastados. Afinal, sao mesmo afastados! Olha as coisas que a gente aprende nos blogues!

So para sermos mais precisos, tens alguma ideia de qual a percentagem de professores assim expulsos? 0,1%? 0,01% 0,001%? E so para ter a certeza que nao te estas a resguardar em formalismos legais para evitar responder de frente 'as perguntas. So para ter a certeza que realmente acreditas que o sistema e' capaz de converter os maus em bons professores e de afastar os inconvertidos.

Miguel Pinto disse...

Ainda não percebeste que o teor da tua argumentação pode ser também o meu. Também posso ser sarcástico e dizer coisas do género: Então o sistema educativo é ineficiente, pouco plástico, numa palavra, mau? Olha as coisas que a gente apreende nos blogues. Porque será que os iluminados que se dedicam a estudar os assuntos relativos à educação ainda não encontram soluções para os problemas educativos sendo elas [as soluções naturalmente] tão óbvias? Pois… Seria indeterminável a onda de conjecturas e não irei por aí.

O sistema educativo é reformável? Ou teremos de reinventá-lo?
Vou recuperar esta questão e a conversa(?) no meu blogue.

Luís Aguiar-Conraria disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Luís Aguiar-Conraria disse...

"Também posso ser sarcástico e dizer coisas do género: Então o sistema educativo é ineficiente, pouco plástico, numa palavra, mau? Olha as coisas que a gente apreende nos blogues. "

Agora falando sério, mas tu dizes que em Portugal existe um código de procedimento administrativo que permite afastar os maus professores, e depois chateias-te por eu ser sarcástico ao dizer que nunca me tinha apercebido disso antes?
Depois, como exemplo do sarcasmo que podias usar, dizes que apreendeste nos blogues que o sistema educativo português é mau? Mas estavas convencido de que era bom? Sarcasmos à parte, deves estar a brincar!

"Porque será que os iluminados que se dedicam a estudar os assuntos relativos à educação ainda não encontram soluções para os problemas educativos sendo elas [as soluções naturalmente] tão óbvias?"

Excelente pergunta! Por que será? Tu próprio poderás ter indicado uma das causas, ao concordar com a ideia de que os sindicatos são uma mera agremiação de interessas.

Mas vejo que continuas a fugir aos pontos centrais da minha argumentação, pelo que esperarei pelo teu blogue. Provavelmente, só no Domingo terei tempo para responder, não interpretes o meu silêncio como falta de interesse.

Ponto principal desta discussão, que gostaria que enfrentasses, sem subterfúgios legais:
- És contra ou a favor que os bons professores sejam recompensados em relação aos maus?

Se responderes sim, espero que depois não encontres uma teia imensa que impeça qualquer aplicação prática deste princípio.

Se responderes não, gostaria de saber porquê. Provavelmente centrarás a tua resposta nas injustiças que se criariam. Mas nesse caso deverás explicar por que a situação actual, em que dezenas de milhares de potencialmente bons professores ficam sem colocação e impedidos de dar aulas, será menos injusta.