2005/03/01

Reflexões sobre educação (2)


Há uns anos irritei uma vasta assembleia de professores que representavam, na sua quase totalidade, as suas associações profissionais (professores de Inglês, Matemática, etc.) quando disse que, para concretizar a reorganização curricular do ensino básico, então numa fase embrionária, o professor tinha em primeiro lugar de ser professor e só depois ser professor responsável pela sua especialidade. Compreendi a irritação (eu terei sido mesmo um pouquinho provocatório…) e tentei depois explicitar melhor as minhas palavras, como vou fazer aqui.

É evidente que um professor de uma disciplina tem de deter o saber dessa disciplina; mas mais importante do que saber aquilo que em língua inglesa se designa por “contents” e nós traduzimos, de forma que não me satisfaz inteiramente, por “conteúdos”, é saber como levar os seus alunos a aprender o que, naquele momento da sua vida, eles podem aprender e é necessário que aprendam. Ora ao nível do ensino básico isto é fundamental, e é por isso que eu digo que antes de ser professor de Português é preciso que o professor seja, apenas, professor e saiba portanto tomar as decisões que se impõem para que os seus alunos aprendam.

Ora ainda há pouco ouvi, num programa radiofónico, um respeitado colega de uma Universidade dizer que não sabia o que era “isso de aprender a aprender”, explicitando logo a seguir a sua ideia, “o aprender aprende-se estudando”. Isto não é rigorosamente falso, mas também não é inteiramente verdade: tenho visto muitos jovens pensar que estudam, porque se debruçam horas sobre livros, por exemplo, e não aprendem. E também sei de casos de alunos que não estudam e aprendem!

É que o aprender depende de varáveis diversas, a mais importante das quais é o estilo de aprendizagem, característica que está bem descrita em bibliografia de referência. Por isso o professor deve identificar o modo preferencial dos seus alunos aprenderem para que a tarefa se lhes torne não só mais fácil mas mais produtiva. É nesse sentido que eu digo que antes de ser professor de Filosofia eu devo ser apenas professor, num sentido muito abrangente do termo, que faz do docente um verdadeiro tutor, cimentando uma carga afectiva importante para que os actos educativos tenham um significado mais amplo do que o de aprender isto ou aquilo.

Eu sei que é mais fácil escrever o que escrevi do que concretizá-lo no dia a dia. E que nem tudo se resume a este aspecto, claro. O que me parece evidente é que ignorar deliberadamente o problema importante de como se aprende, resumindo-o à ideia de que se aprende estudando, é meio caminho para condenar ao insucesso muitos alunos.

6 comentários:

Anónimo disse...

Esse comentário fez-me lembrar um outro que foi produzido na televisão por uma daquelas figuras que por vezes saltam do alto da sua cátedra para fustigar a educação e todos os seus vícios. Alguém tinha referido numa intervenção anterior a palavra competências. Pois bem, a distinta criatura começou logo por dizer que não sabia o que era isso. O que achava que era necessário seria o regresso ao "back to basics" que descreveu com grande entusiasmo.

PJ
PJ

Miguel Pinto disse...

Antes de ser professor de… o professor deve ser apenas professor. E o que fazer/dizer ao professor de… que já foi apenas professor e hoje não encontra motivos para voltar a ser apenas professor?

Chris Kimsey disse...

Você disse "o professor tinha em primeiro lugar de ser professor e só depois ser professor responsável pela sua especialidade"??? Incrível! 500% de acordo!

Essa é uma das minhas grandes mensagens (combatidas por vezes pelos alunos já licenciados).

Acaba de subir imenso na minha consideração! ;-)

Miguel Pinto disse...

Paulo:
Essa mensagem nunca foi combatida pelos professores dos alunos licenciados? Surpreendente! ;o)

Chris Kimsey disse...

Não Miguel. Se calhar não me exprimi com precisão. Encontrei objecções a esta mensagem quando leccionei a alunos que já são professores (complementos de formação ou profissionalização em serviço) e muito menos na formação inicial.

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Nem sempre tenho tempo para ir ver como correm as coisas no blog...

Miguel:
O desânimo pode compreender-se mas deve sempre combater-se. Também uma vez na vida estive uns dias a pensar se deveria persistir (isto numa altura em que me acenavam com um muito mais bem pago emprego), acabei por ceder mas depois regressei. Por outro lado, eu sei que a pressão exterior é muita e não é fácil por vezes sobreviver com as nossas verdades.

Paulo:
Agradeço os 500% - é verdade que disse e até está escrito num documento que o DEB (Departamento de Educação Básica) distribuiu por essa altura. Aliás, é uma constante nos diálogos com os meus alunos. Não é fácil, porém, que a mensagem passe à maior parte dos que já estão no terreno, tem razão. Aparentemente, é mais fácil ser professor de uma disciplina do que ser "apenas" professor... E tenho ainda uma dúvida, que os meus (seus) alunos, que aparentemente perceberam a mensagem, não a esqueçam quando começarem a sua vida profissional, contaminados por muitos maus exemplos e pela dificuldade de se manterem diferentes.