2006/03/06

As angústias de Bolonha


Temos de reconhecer que as angústias com Bolonha têm sido, entre nós, muito egoístas. Apesar de Bolonha estar no horizonte há já vários anos, quando se percebeu que se ia mesmo avançar, as instituições como tal e os docentes (e mesmo os alunos!) começaram a fazer contas e foi isso que as e os angustiou. O ponto de partida foi a ideia de que Bolonha seria (era, é) uma maneira de o Estado reduzir o financiamento às escolas do ensino superior, e que a nova estrutura dos cursos poderia (pode) causar uma redução na necessidade de docentes, pelo que haveria alguns que ficariam em risco. Os alunos que estão neste momento na Universidade interrogam-se sobre as transições; os que acabaram há pouco tempo começam a pensar que foram prejudicados porque demoraram mais tempo para obter os mesmos graus que os colegas mais novos vão, agora, com menos anos de estudos, possuir.

Não se pensou, na generalidade, no que significava Bolonha em termos pedagógicos (claro que houve quem pensasse, que advertisse). E só quando se tornou evidente que era preciso cumprir a lei e clarificar a mudança estrutural do ensino superior – ou seja, dar prioridade à definição do tempo de trabalho necessário para que o aluno obtenha os resultados de aprendizagem esperados para lhe poderem ser concedidos os créditos – a angústia terá conhecido uma outra tonalidade, a angústia pedagógica.

Ainda ontem o Professor João Sousa Andrade publicava no Diário de Notícias um artigo (“Ideias para o debate de Bolonha e suas reformas”), que pode ler aqui. Quando pergunta se “se podem discutir currículos sem discutir no que consistem as novas práticas” toca um ponto essencial. É evidente que não podem. E por isso os cursos “adequados” (na linguagem imposta por lei) têm de alterar os processos de ensino-aprendizagem que até aqui eram desenvolvidos (a não ser em casos excepcionais nos quais os docentes já praticassem Bolonha “avant la lettre”, o terá acontecido esporadicamente).

O grande desafio de Bolonha reside aí. Por isso concordo com o Prof. Sousa Andrade, para quem nenhum curso deveria adoptar o figurino de Bolonha se não alterar a forma de ensinar e aprender. Este é o momento em que a pedagogia vai jogar um papel decisivo no ensino superior.

O existir agora alguma angústia pedagógica não será muito mau se ela conduzir a um genuíno esforço de a superar pela adopção de práticas consequentes com os princípios – o aluno é o centro das preocupações, a ele compete aprender; o professor é o gestor do processo, ensina sem dúvida mas deve sobretudo facultar ao aluno os meios de aprender, que são hoje, felizmente, muito mais vastos do que num passado. O professor tem de ter planificado as suas unidades curriculares com antecedência a fim de poder fornecer aos seus alunos os elementos de estudo. O aluno terá de estudar sempre ao longo do ano – não pode guardar para uma noitada antes do exame o “pôr-se a par” da matéria. O aluno tem assim de estar mais na ribalta do que até agora – Bolonha não permitirá que um professor não conheça um aluno a não ser no exame final.

Quem duvida que a mudança prevista tem de ser para melhor?

5 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro vf
É por tudo isso (e não só) que me impressiona a velocidade com que todos se converteram a Bolonha e dizem estar prontos para 2006!
Será que me consegue explicar como fizeram isso na UM?

Cândido M. Varela de Freitas disse...

AC
Posso na verdade dizer alguma coisa sobre o modo como a UM encarou Bolonha. Claro que ao dizer UM temos de pensar que nem todos estão no mesmo comprimento de onda... De qualquer modo, já em 2001 a UM promoveu um encontro no qual se discutiu o paradigma pedagógico de Bolonha; fomos, ainda, a primeira universidade a dar aos seus alunos o Suplemento ao Diploma; usamos os ECTS (em paralelo com as UC) há dois ou tr~es anos; desde 2003-2004 que há experiências-piloto nas escolas de Ciências e Engenharia voltadas para os novos métodos; e temos tido várias actividades de formação dispensadas por especialistas (nomeadamente estrangeiros). Ou seja, não estávamos desprevenidos. Mesmo assim, a espera por legislação não deixou de inquietar e a margem curta dada para apresentar os cursos foi, também, um motivo de stress.

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Ao Chato
Vale sempre a pena dar uma boa gargalhada!

Anónimo disse...

Meu caro vf
Obrigado pela resposta
Mas continuo a não entender como é que toda a gente (e no seu caso concreto a UM) acha que está pronta a assumir o paradigma de Bolonha em 2006-2007.
Desculpar-me-á a dúvida mas penso que o que está em causa é muito sério.
E não se trata nem de ECTs, nem de suplemento ao diploma, nem de legislação.
Aliás, ao contrário dos que se refugiam atrás disso, penso que Bolonha não é legislação, nem deveria ser.
Que pensa sobre isto o vf?
Um abraço recordando alguns momentos de trabalho em conjunto!

Cândido M. Varela de Freitas disse...

AC
"Toda a gente", é claro, não está nem preparada nem tenciona estar preparada para Bolonha. Pode até acontecer que sejam poucos os que estão, efectivamene, preparados. No nosso caso (i. é, UM), tentou-se mesmo que a mensagem do novo "paradigma" passasse, e como disse, para além do que foi formalmente conseguido (e estou consigo, nem é o mais importante) criaram-se situações experimentais que tiveram resultados muito interessantes. Isto sem falar no curso de Medicina, a que jé me referi.
Eu sei que não vai ser fácil a "massificação" - por muitas razões internas mas também externas, que já se começaram a divisar (ainda ontem o Diogo Pires Aurélio, na crónica do DN, falava da entrada do "eduquês" nas Universidades por causa de Bolonha...) Mas a pouco e pouco iremos construindo e dando sentido a uma outra forma de ensinar e aprender que tem, desta vez, enquadramento legal - o que não é pouco importante.