“…E vai ser preciso que desde o início os alunos percebam e adiram ao processo, arrastando para ele os professores.”
Esta frase, com que quase encerrei o post de ontem, ocasionou um comentário pertinente do Miguel Pinto que merece que eu esclareça o que penso de uma maneira mais abrangente do que por uma simples resposta ao comentário.
Qual deve ser o papel dos professores universitários? Genericamente, esse papel tem sido o de considerá-los guardiães do saber, acumulando a docência com a investigação na sua área, a fim de transmitir esse saber aos seus alunos.
Ninguém contesta que o professor (seja de que nível for) tenha de deter um “saber”. Simplesmente, o melhor professor não é o que mais sabe, mas o que melhor ensina (eu costumo acrescentar, a esta velha máxima, “a aprender”).
Ora é precisamente esta ideia, que nem é nova, que está por detrás do chamado paradigma de Bolonha. O professor tem de deixar de se pensar como sendo apenas um transmissor de conhecimento e tem de assumir o papel de estimulador de aprendizagens significativas. Dito de uma maneira simples, mantendo-se ou mesmo aumentando o número de horas de contacto, quer dizer, horas em que professor e alunos interagem (face a face ou por meios digitais), devem existir menos aulas teóricas e mais práticas e, sobretudo, as chamadas horas tutórias. Para tal, o aluno tem de estudar, em permanência, para poder aprender; desde o começo das actividades terá de diariamente ir construindo o seu conhecimento das matérias.
Isto implica um esforço de planeamento por parte do docente que é certamente muito mais pesado do que “dar” aulas. Será preciso seleccionar materiais, organizar esquemas de avaliação frequentes, estar disponível para ajudar, esclarecendo dúvidas individualmente ou em pequeno grupo. É a esta mudança que não antevejo fácil que a maior parte (a maior parte, repito) dos docentes universitários adira. A tendência será, se não me engano, em conseguir que, sob a aparência de haver um novo modelo, regressar ao que existe.
Com esta afirmação não estou a pôr em causa os colegas – estou apenas a ser realista e a aplicar princípios conhecidos sobre a resistência à mudança.
Ora eu creio que este novo figurino é muito mais motivador para os alunos. Não porque venham, regra geral, preparados do secundário para ele; mas porque na verdade se vão sentir mais responsáveis e é mais atractivo aprender por si do que entrar na rotina de ouvir aulas e estudar para exames… Espero pois, como dizia, que sejam eles a “pressionar” os professores no sentido de concretizar o que Bolonha preconiza. Evidentemente as instituições, através dos seus órgãos próprios, não deixarão de estar vigilantes; e espero que aos novos alunos seja desde o primeiro dia claramente enunciado o que significam os novos cursos.
Sei que há argumentos para contradizer o que deixo exposto, que vão desde a contabilização das horas de “serviço docente” até à desconfiança que os nossos alunos queiram trocar a boa vida de estudar quinze dias por ano por um trabalho diário continuado. A minha resposta é apenas uma: não há outra solução senão encontrar meios para ultrapassar essas dificuldades. A primeira poderá resolver-se com uma outra organização da vida nos departamentos e dos horários; a segunda, com maior exigência em relação à situação do estudante na universidade. A universidade não pode pactuar com a mediocridade, e deve tolerar mal a simples suficiência. E, já que tive o apoio de um estudante do nosso curso de Medicina, dias atrás, repito: se os nossos alunos de Medicina há quatro anos convivem, e com sucesso, com Bolonha, por que não todos os outros?
1 comentário:
PJ
Sem negligenciar que o número de estudantes envolvidos é uma variável importante, penso que tudo depende da organização do trabalho por parte dos professores (sem esquecer a dimensão dos recursos disponíveis). Caso a caso a instituição tem de decidir a melhor maneira de ultrapassar as dificuldades. Sei que isto não é mais do que uma profissão de fé e não vou converter quem não a tem...
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