Aveiro era, em meados da década de 60, uma cidade agradável e onde se vivia bem. Com uma situação geográfica privilegiada, a um pulo do Porto e de Coimbra e não muito distante de Lisboa, já bem servida de comboio, com um plano urbano equilibrado, num compromisso entre o moderno e um antigo relativamente pobre, era já um centro de atracção. Cheguei a Aveiro no dia 1 de Outubro de 1965, dirigi-me ao Liceu (actual Escola Secundária José Estêvão), soube que me tinha sido atribuído um bom horário com apenas aulas de Filosofia do 6º e do 7º anos, mais a inevitável Organização Política e Administrativa da Nação, e tratei de pensar na minha acomodação. Decidi-me por alugar um quarto e tive a sorte de encontrar um excelente, quase independente, bastante amplo, muito perto da escola, na Rua do Loureiro. As refeições, passei a tomá-las na então Pensão Imperial, que depois evoluiu para o Hotel com o mesmo nome. Recordo-me do proprietário, o Sr. Morais, sempre atencioso, e que geria com muita qualidade o estabelecimento. Lembro também a excelência da cozinha, que ao longo do ano foi responsável por ter engordado uns quilitos…
Na altura o Liceu de Aveiro tinha uma “secção feminina” a funcionar ao pé do Teatro Aveirense; os rapazes tinham aulas no edifício novo, mas os cursos complementares eram mistos. O ambiente no Liceu, mau grado a existência de um Reitor, o Dr. Orlando de Oliveira, muito conotado com a direita salazarista (pude comprová-lo, ainda que de uma maneira geral me tenha dado bem com ele), era muito bom. Ainda havia espaço para uma grande sala de professores onde, apesar de haver a zona dos mais velhos, já efectivos, e a zona dos mais novos, quase sempre os eventuais, a convivência era sadia. Pela minha idade aproximei-me dos mais novos, sem deixar de conversar com os mais velhos, e integrei-me num grupo que ao longo do ano estreitou laços de amizade que, pela força das circunstâncias, afrouxaram e desapareceram depois.
Apreciei muito os meus alunos. Tive, em Aveiro, uma das minhas melhores alunas de sempre, a Manuela Fazenda Martins – que infelizmente faleceu muito jovem, com 37 anos, quando era docente na Universidade Nova de Lisboa. Era uma inteligência rara. Recordo muitos outros e outras com quem mantive uma relação excelente ao longo do ano.
Como só tinha aulas de manhã, se o tempo o permitia (choveu muito, nesse 1966), saía à tardinha, antes de jantar, e andava pela cidade, tendo-me habituado ao cheiro característico que oscilava entre o que a ria emanava e o que os ventos de Cacia traziam… À noite, depois de jantar, ficava um pouco no bar da Residencial a ver televisão (aliás, foi aí que vivi as emoções do Mundial de futebol em que Portugal ficou em terceiro lugar).
Explorei um pouco os arredores e encantei-me sobretudo com a Pateira; já existia o restaurante, onde comi uns dos mais saborosos rojões que provei até hoje.
Depois desse ano, tenho voltado muitas vezes a Aveiro, quer porque viajo (de vez em vez vou à Pousada da Ria, que descobri depois e é um lugar esplêndido para descansar) quer porque tenho trabalho. Acompanhei o crescimento da Universidade desde o seu começo, tenho nela bons amigos, e gosto imenso do campus de Aveiro, a que a ria dá um sinal distintivo.
A cidade evoluiu muito, como todas, cresceu, e como continua a um pulo de Coimbra e do Porto continua também a ser atractiva. Mas a cidade de 1966, essa é a que guardo na memória…
3 comentários:
Gostei tanto que falasse de Aveiro!!!
Também gosto muito de Aveiro, as minhas raízes andam por lá.
Lembra-se do Café Avenida e do chinês das gravatas? É uma das imagens que me ficou da minha infância quando aí ia lanchar, com o meu avô, e comia aquelas saborosíssimas torradas com muita manteiga, acompanhadas por um galão servido naqueles copos enfiados num suporte metálico!`
É verdade, Aveiro continua uma bonita cidade.
Emília.
falta cá o meu testemunho de Aveiro, que é a cidade mais bonita do mundo, apesar de algumas tentativas de a estragar!
Nesse ano em que cá estiveste morava eu em Vagos (conheces? também lá passa a ria, a caminho de Mira) e foi o ano em que entrei para a escola primária. Era raro vir a Aveiro, mas vinha algumas vezes. Só comecei a ser assídua em Aveiro mais tarde em 1975 quando frequentei o liceu onde tu trabalhaste. Mais tarde foi a minha filha que por lá andou. A tal escola feminina de que falas ainda é um Liceu (Homem Cristo) e o meu filho andou lá do 6.º ao 9.º ano.
Tens de voltar a Aveiro que, como diz a Emilia, continua uma linda cidade!
A maior parte dos cafés passou a bancos, mas agora já volta a haver alguns!
Emília, Saltapocinhas
Não sabia que a Emília tinha ligações a Aveiro; a Saltapocinhas esperava que comentasse! O que contei é um centésimo das minhas memórias do excelente ano que lá passei. Recordo-me do Avenida, claro, e também dos suportes para os copos de galão - que curiosamente só existiam no norte do país, porque em Lisboa não se usavam. Mas em Viseu também existiam, e no Porto, claro. Não encontrei alguns documentos dessa época mas há um ou dois, bem interessantes, que hei-de publicar. (Claro que passei várias vezes por Vagos, no passado e ainda recentemente. E, como disse, tenho ido com alguma regularidade a Aveiro. Um dia apareço na tua escola, Saltapocinhas...)
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