2005/06/08

A idade da reforma…

Fui desafiado a dar a minha opinião sobre o problema da idade da reforma para os professores, tema que passou a ser muito actual dadas as notícias que apontam para que o Governo considera fazer alterações significativas nesse ponto. Vou assim responder ao desafio.

Começo por dizer que não aprecio o termo “reforma”. Quando penso que vou ser reformado, dá-me a ideia de que me vão pôr no caixote do lixo, tal como se faz a um móvel que deixou de ter préstimo por se lhe partir uma perna, ou um aparelho de rádio que deixou de funcionar. Os ingleses usam uma palavra menos forte – “retirement” – que não sendo directamente traduzível implica o que parece: ao envelhecer, a pessoa “retira-se” para um lugar mais sossegado, mais tranquilo (repare-se que “retire” também se usa para quem diz que vai para a cama dormir…). Por isso prefiro aposentação a reforma, e, se viver até lá, terei a possibilidade de me considerar “jubilado” em vez de aposentado ou reformado, dada a minha situação académica (o que muito me agrada).

Em segundo lugar, devo dizer que concordo, genericamente, com o aumento da idade para a aposentação. Na verdade, não é possível comparar a realidade dos nossos dias com a de há cinquenta ou quarenta anos. A esperança de vida tem aumentado e quem se reforme (usemos a palavra…) com 55 anos, por exemplo, pode viver ainda 20 ou mais anos. Depois de trinta e tal anos de serviço, não tem direito a descansar? Claro que sim, mas a verdade é que o esforço financeiro para sustentar um número crescente de aposentados pode conduzir à rotura dos fundos disponíveis. E, por outro lado, quantos aposentados não procuram depois trabalhar, com outro ritmo certamente, mas trabalhar, adicionando à sua pensão os proventos desse trabalho?

Vejamos então o caso dos professores. Para todos os níveis (do pré-escolar ao superior) devem ser sempre considerados os casos particulares de doença ou debilidades psicológicas devidamente comprovadas (e que aliás já são legalmente consagradas). Depois, há que distinguir casos diferentes. Por exemplo, ao nível da educação de infância e mesmo do 1º ciclo, creio que se deve ter em conta o desgaste (porventura mais psicológico do que físico) que uma jornada de trabalho contínuo com crianças implica. Aceito pois que o rendimento de um professor que se aproxima dos 60 seja menor e que ele aspire a retirar-se. Mas se não for doente, se tiver intactas as suas capacidades, não poderá continuar a dar à escola um contributo diferente, mas consistentemente útil? Na escola existem sempre tarefas que muitas vezes não se executam por não haver quem as faça; por que não dar a professores em fim de carreira a oportunidade de diversificar a sua acção, libertando-os do ónus do contacto permanente com as crianças?

Nos outros níveis de ensino, nos quais os professores mais velhos têm normalmente reduções significativas em horas de docência (que podem chegar a 14 semanais no ensino secundário e a muito menos no superior), sinceramente, não vejo por que razões não possam (ia escrever “devam”…) continuar a ensinar. Ou, também, que dêem à escola outro tipo de trabalho útil menos pesado mas útil socialmente.

No meu caso pessoal, em que estou a escassos 10 meses de atingir o limite de idade legal da aposentação, a partir do qual não me deixam mesmo continuar – os 70 anos – tenho de confessar que se em vez de professor universitário fosse professor do ensino básico do 1º ciclo talvez me fosse penoso aguentar o dia a dia. Todavia, nunca me passou pela cabeça antecipar a saída. Tenho muito vivo na minha memória o que se passou com o meu Pai. Ele era contabilista, um excelente contabilista, de uma empresa privada – e aos 65 anos foi mesmo obrigado a reformar-se. Era, na altura, um homem cheio de actividade, produzindo ainda trabalho intenso. Ao ficar sem o seu ritmo de vida, foi a pouco e pouco perdendo essa vitalidade, e em dois anos ficou o que se pode chamar um velho. Fez-me imensa impressão, e sempre atribuí esse envelhecimento à falta de um tipo de actividade que lhe lubrificasse corpo e espírito. Infelizmente, faleceu pouco depois num acidente de automóvel. Mas esse episódio terá contribuído para não desejar correr o mesmo risco.

Como sabemos, este problema das ”reformas” não é neste momento apenas discutido em Portugal. É um problema complexo, com incidências financeiras mas em que considerações de cidadania e de ética não podem deixar de ter um lugar claro nas preocupações de quem tem de decidir e nas de quem é afectado pelas medidas que forem decididas. Velhos e jovens não podem, não devem, neste caso, ter uma visão egoísta do que está em jogo.

5 comentários:

saltapocinhas disse...

Eu, desta vez não subscrevo...A idade da aposentação deve ser cedo para que as pessoas ainda vão a tempo - as que o quiserem fazer - de se dedicar a outras actividades. Há muita gente que só faz aquilo que realmente gosta depois de se aposentar do trabalho de toda a vida!
E é nessa idade que eu pretendo passear, não posso estar a cair de velhinha! O que poderiam fazer era a aposentação ser facultativa e darem contrapartidas a quem quiser ficar a trabalhar mais tempo. Reformar-se aos 50 pode ser (é) um exagero, mas trabalhar até aos 70 também é. Se tu te sentes bem óptimo pra ti, mas se tivesses de estar numa sala de 1.º ciclo... ou ir com eles para Lisboa como vou na semana que vem, atrás de 15 ou 16 "golfinhos"!! No 1.º ciclo o nosso trabalho tem muito de esforço físico, ao contrário do que tu dizes! Não estamos ali sentadinhas à espera que os meninos acabem a cópia, depois as contas, depois o ditado...Esses tempos acabaram há muito (felizmente!!)

saltapocinhas disse...

Esqueci-me de dizer uma coisa: se não houvesse multimilionários a descontar para a segurança social como se vivessem com o ordenado mínimo, talvez as coisas não tivessem chegado a este ponto. acho que era por aí que se devia avançar.
Seria bom que todos os portugueses pagassem, proporcionalmente, os impostos que os professores pagam. E eu nem me importo de pagar mais, desde que paguemos todos, desde que não haja reformados com pensões milionárias depois de terem trabalhado SEIS longos anos... Que moralidade é esta??

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Bom dia!
Penso que disse claramente que "ao nível da educação de infância e mesmo do 1º ciclo, creio que se deve ter em conta o desgaste (porventura mais psicológico do que físico)"... Logo, considerei o teu caso (até disse que se eu fosse professor de crianças era capaz de não aguentar...) e não afirmei, escrevi "porventura", que o desgaste físico poderia ser menor que o psicológico. Cada um de nós concretiza um projecto de vida, e não há mal nisso. Mas há momentos em que a gravidade das situações nos deve fazer reflectir. E o problema das pensões para os reformados é uma delas. Claro que tudo deve ser feito para evitar a fuga aos impostos (é outro campo de luta) mas a verdade é que os descontos que fizemos ao longo da vida não chegam para suportar os gastos mensais dos reformados porque felizmente hoje se vive mais tempo e se gasta mais com a preservação da saúde. Eu não defendo que a idade limite seja os 70 anos - aliás, ela já o é há muito tempo como limite máximo da vida activa - embora pense que quem se sinta com vigor físico e mental para executar uma tarefa que goste o deva fazer (é o meu caso).
Minha cara Saltapocinhas, tu, que mostras ser uma Mulher inteligente e dedicada à tua profissão, tens todo o direito a querer, como dizes, reformar-te "cedo", mas não podes deixar de pensar que, se o sistema actual não aguenta o esforço exigido e se nada for feito pode, dentro de anos, entrar em rotura e penalizar os teus filhos (porque a ti pode ser que nem até penalize), alguma coisa tem de ser feita.
Então vais levar os Golfinhos a Lisboa? Vão ao Oceanário? Espero que não esteja muito calor...

saltapocinhas disse...

Claro que com Golfinhos só podia ir ao Oceanário! ;-)
Mas é só a 24 de Junho, para comemorar o último dia de aulas!!

Anónimo disse...

é sempre um prazer observar um docente, com a sua idade que no entanto se mantém activo desperto e actualizado, com vontade de fazer o que faz melhor. No entanto, não posso concordar totalmente com a sua opinião sobre o tema.

É verdade que se deve dar possibilidade de continuar na docencia a um professor que se encontra nas suas condições.

É também verdade que o sistema de segurança social foi "assassinado" e está prestes a colapsar se nada for feito. (uma nota positiva a este governo que por muita coisa que possa ter feito mal foi o primeiro e unico a chafurdar na porcaria em que estavam a fiscalidade deste país).

Mas uma coisa tem que se ter em conta. Nem todo o docente tem a capacidade ou vontade de trabalhar até aos 70 anos. O meio académico possibilita mais isso, mas nos níveis abaixo e com o desgoverno que as escolas levam tal como os "facilitismos"para os alunos e as "complicacionismos" para os professores, a inexistência de doença de profissão (de forma séria), parece-me que a "obrigatoriedade" da reforma aos 70 irá ter novamente implicações na qualidade do ensino português. E quanto a mim, por esse erro, Portugal pagará caro pois está a hipotecar o seu futuro.

Há que deixar bem claro que o trabalho com crianças tem um altissimo indice de desgaste nos docentes tanto a nível psicológico como fisíco e isso terá repercursões na qualidade do ensino.