2005/06/12

Eu e os livros


A minha relação com os livros é muito intensa. Comecei a ler muito cedo e antes de ler já a minha irmã me lia livros infantis (quem, da minha geração, não se lembrará da "Colecção Manecas"?). Depois, devo ter lido quase tudo o que a modesta biblioteca da nossa casa (entenda-se: de casa dos meus pais) possuía. Ela foi crescendo à medida que eu próprio cresci. Quando vim estudar para Lisboa, e em especial quando entrei no curso complementar dos liceus, ir às livrarias do Chiado (a Portugal, a Sá da Costa, a Bertrand, e até uma especializada em livros usados, a Moreira & Almeida, da Rua Anchieta) e à Feira do Livro, em Junho, era uma obrigação. Comecei nesses tempos a formar a minha própria biblioteca, porque embora o dinheiro não abundasse havia livros que não eram muito caros e eu conseguia gerir bem a austeridade. Recordo-me que quando comecei a trabalhar (e como professor o meu primeiro vencimento foi de 4 mil escudos mensais, de que recebia, após descontos, 3 731 escudos – para quem queira uma conversão para euros, corresponderiam hoje a € 18.61!) todos os meses punha de parte 10% dessa quantia para comprar livros. O crescimento da minha colecção de livros está datado. De princípio foi a Literatura a privilegiada; depois, a História e a Filosofia; logo a seguir, a Arqueologia (tenho livros excelentes publicados nos anos 50 e 60). Só depois veio a época da Psicologia (que esfriou tempos depois) e da Educação, simultaneamente com muitos policiais – da "Colecção Vampiro" tenho mais de duas centenas. Só que isso teve como consequência um relativo abrandar de compras de livros de outras áreas, compensada pelos interesses de minha Mulher, que revigorou a área da História (sobretudo de História de Arte) e também a de Literatura. Hoje, com os livros divididos por duas casas, em Braga e Lisboa, penso muitas vezes que eles constituem excelentes documentos para a história da minha vida.

Por que me lembrei de escrever sobre livros? Porque ontem dei conta que os livros que o Público está a publicar aos sábados (a colecção “Os poemas da minha vida”) tinham uma característica que há muito desapareceu: não vêm guilhotinados, e o leitor é convidado a abri-los com uma faca para papel. Confesso que nem compulsara as edições anteriormente publicadas (os livros estavam lá, mas não lhes tocara!) por isso a minha surpresa agradável. É que “abrir” os livros era uma tarefa que me agradava, pelo característico cheiro ao papel, pela possibilidade de ler aqui uma linha, ali um parágrafo, ou dar uma olhada a uma figura. Abrir o livro era como o legitimar do acto de posse.

Estive para resistir a escrever “Bons tempos!” mas sempre escrevi. É que para mim foram, na verdade, bons tempos, embora reconheça que é mais prático comprar um livro e tê-lo pronto a usar.

3 comentários:

«« disse...

Venho aqui todos os dias, muitos dos seus textos são interessantes sob o ponto de vista da reflexão, este é lindo por falar de uma paixão que já não é assim tão rara. Bravo

Emilia Miranda disse...

Olá, bom dia!
Por acreditarmos que o gosto pela leitura se pode e deve desenvolver desde muito pequenino, desde o berço, direi mesmo, surgiu a ideia de publicarmos aquilo que muitos pequenotes, e menos pequenotes, escrevem.
Um abraço,
Emília.

Zu disse...

Também gosto dessa tarefa fora de moda de abrir os livros com uma faca de papel, e ir espreitando. Ainda outro dia isso aconteceu, e senti de novo o mesmo prazer de descoberta de um livro que nunca fora lido por ninguém antes de mim.