2019/12/09

Para além do PISA 2018


A divulgação dos resultados do PISA 2018 proporcionou, como tem sido habitual nas anteriores apresentações, reacções diversas. Não dou grande importância aos resultados, porque num projecto desta envergadura, envolvendo alunos de 79 países muito diferentes entre si (cerca de 600 000 num universo de 32 000 000, ou seja, uma amostra de cerca de 2%), as probabilidades de ocorrerem erros são grandes (aliás isso é assumido no estudo). Contudo, atendendo a que o PISA tem já uma história e é possível detectarmos tendências nos resultados (subidas, descidas, estagnações), vale a pena determo-nos na sua análise.


Se é patético vermos ministro e ex-ministro quererem ser “vencedores” face aos resultados, é razoável que responsáveis pela educação no país assinalem as curvas que no gráfico mostram uma melhoria.


Os documentos disponibilizados, quase 1100 páginas, os quais podem ser obtidos via Internet, para além de ficheiros de dados dos questionários aplicados, mostram a qualidade da investigação; mas o interessado em obter apenas informação relevante para Portugal pode descarregar a “Country Note”, onde, em 10 páginas, se faz o retrato da nossa situação.

Todos sabemos que as preocupações da OCDE são essencialmente económicas, e a sua aposta na educação, com a criação em 1968 do CERI, Centre for Educational Research and Innovation, não faz mais do que salientar o valor específico que a educação tem para o desenvolvimento económico.

Por isso, não deixou de me impressionar a leitura do prefácio ao volume I do Relatório (PISA 2018 Results. What students know and can do), da autoria do Secretário Geral da OCDE, Angel Gurria. Em duas páginas perspectiva o futuro e fá-lo de um modo assertivo.

Transcrevo alguns passos (tradução minha).

“Durante o mesmo período (de 2000 a 2015) as exigências definidas para os skills de leitura ao nível dos 15 anos mudaram completamente. O smartphone transformou a maneira como as pessoas leem e trocam informação; e a digitalização teve como resultado o aparecimento de novas formas de texto, que vão desde o texto curto ao longo e complexo. No passado, os alunos podiam encontrar respostas fáceis e únicas às suas dúvidas em livros de texto cuidadosamente feitos e aprovados pelo governo, e podiam confiar nessas respostas como verdadeiras. Hoje, encontrarão centenas de milhar de respostas às suas dúvidas online, e têm de decidir quais as certas e quais as erradas. Ler não é mais obter informação; é construir conhecimento, pensar criticamente e concluir juízos bem fundamentados.”

“Aquelas coisas que são fáceis de ensinar são, hoje, também fáceis de digitalizar e automatizar. Na época da Inteligência Artificial (IA) necessitamos de pensar seriamente sobre como ajudar o desenvolvimento de pessoas excepcionais, e como podemos compatibilizar a IA dos computadores com os skills cognitivos, sociais e emocionais, e os valores das pessoas.  A IA ampliará boas ideias e boas práticas do mesmo modo que ampliará más ideias e más práticas – ela é, eticamente, neutra. Contudo, a IA é conduzida por pessoas que não são neutras. É por isso que a educação, no futuro, não diz respeito apenas a como ensinar as pessoas, mas também a como ajudá-las a desenvolver uma bussola segura para que possam navegar num mundo cada vez mais complexo, ambíguo e volátil”.

“Evidentemente, todos os países têm excelentes estudantes, mas muito poucos têm sido capazes de fazer com que todos desenvolvam o seu potencial ao mais alto grau. Alcançar uma maior equidade em educação não é apenas um imperativo de justiça social, é também uma maneira de usar com maior eficiência os recursos existentes, desenvolver os skills que potenciem o crescimento económico, e promover a coesão social. Para aqueles que têm o conhecimento e skills certos, a digitalização e a globalização têm sido libertadoras e excitantes; para aqueles que estão insuficientemente preparados, essas vertentes podem significar um trabalho vulnerável e inseguro, e uma vida com poucas oportunidades de melhoria”.

Como pessoa interessada na educação não posso deixar de concordar com a posição do secretário-geral da OCDE. Como tantos outros, nestes momentos de incrível desenvolvimento tecnológico, ele chama a atenção para factos que os responsáveis pelos sistemas educativos não podem ignorar. Creio que há sinais positivos em relação ao nosso país: apesar do muito “ruido”, está em curso uma mudança que a pouco e pouco pode contaminar quem é contra ela (infelizmente, mesmo professores).

Uma última nota. Não sei qual a melhor tradução para o termo “skill”. Skill não é capacidade, nem habilidade, nem destreza. É uma mistura de tudo isso. Por essa razão desde sempre tenho escrito e verbalizado skill, como muitos têm escrito, e verbalizado, feedback. Sem problemas.


Sem comentários: