2005/11/28

Pessimismo

No passado sábado fui até Monção para escutar uma conferência de João Medina intitulada “Zé Povinho: estereótipo português? (Reflexão sobre a identidade nacional)”. Tinha interesse em conhecê-lo pessoalmente e o tema pareceu-me interessante. No âmbito das aulas deste semestre o problema da identidade nacional já foi debatido com os meus alunos e estava curioso em ouvir o Professor Medina. A minha expectativa não foi iludida, a conferência foi excelente, partindo de uma análise que considero lúcida sobre características nacionais que se vão mantendo ao longo dos anos e que, de algum modo, parecem justificar a “apagada e vil tristeza” que já Camões denunciava: apatia, indiferença, descrença, o imobilismo de quem tem as mãos nas algibeiras porque desistiu de lutar porque sempre foi espezinhado, “albardado” na simbologia da albarda que jaz aos pés da figura imortalizada por Rafael Bordalo Pinheiro.
Recuso, contudo, apesar de tudo o que se tem passado e, confesso, tem abalado um pouco o meu inveterado optimismo (talvez mais crença do que outra coisa), a afundar-me num pessimismo de “fim da Pátria” que de algum modo João Medina deixa transparecer. Se todos os dias tenho dez momentos de desânimo encontro sempre um outro momento para acreditar. Dir-me-ão que a desproporção é enorme – e infelizmente é. Mas não desarmo: quero continuar a ser optimista.

Nota: Para quem não saiba há em Monção uma Casa Museu que é uma unidade cultural da Universidade do Minho, legado de uma benfeitora que quis assim preservar os seus bens, alguns de grande valor, que constituem o recheio do solar. Na parte inferior existe uma sala de conferências e um pequeno espaço para exposições. Vale a pena a visita!

1 comentário:

Anónimo disse...

Não serve de muito esta pequena nota. Quero apenas partilhar um sentimento muito idêntico ao seu: nos últimos meses, 80% das vezes que me auto-referencio a Portugal, sinto entre apatia e revolta. Após 30 anos de democracia, desacredito o país politicamente organizado: políticos medíocres, pouco criativos, sem arrojo e sem imaginação. Não lográmos ainda a democracia, pois ela não pode e não deve ser apenas um exercício formal, constituído de potencialidades de direitos não realizados, pois o sentido de tal escopo tem que ter um encontro material, social, económico nas nossas vidas. Este "pessimismo" não ajuda mesmo nada à afirmação de uma identidade plena, visto que há que enquadrá-la - como todas - numa diferenciação (certamente inscrita num amplo espaço civilizacional de comunhão e "parecenças"). Há dias, li nas parangonas de um jornal diário algo como isto "Não há nada em Portugal que me agrade", artigo atribuído a António Barreto (não li o conteúdo, o texto que originou aquele título). Uns dias antes, lera que Maria João Pires era partidária do iberismo, respondendo a uma pergunta sobre um inquérito espanhol com tal sentido positivo. Antes ainda, o novel jornal "Sol" publicara um inquérito-sondagem que dava 30% dos portugueses como partidárias de uma solução ibérica, isto é, de estado único. Fiquei incomodado, não obstante o meu pessimismo.
Numa outra circunstância, enquanto conversava com o meu irmão, este referia-me que os dirigentes políticos actuais tinham falta de carisma e um discurso totalmente previsível e gasto, mas que não seria ele a "substituí-los", pois não tinha qualquer vocação nessa área. Perguntei-me silenciosamente, então: que fazer, qual o papel do cidadão comum? A crítica a análise, certamente, não bastam, visto que desse sumo está o país cheio há, diria, séculos. Há um costume de mordacidade, de chacota mesmo, de descrença endócrina, baseadas em pessimismo crítico. Deste modo, elevam-se os críticos, amiúde, acima desse movimento negativista, dessas forças reais a que não se juntaram, das quais não fazem parte. E tendem a esboçar um Portugal mais ou menos idealizado, que não existe.
Então, como participar activamente? Esta parece-me ser uma questão crucial. Como incorporar a sindicância dos críticos ao real, como integrá-la? Penso que isso passa por uma atitude cívica que não existe. Pode parecer idealista uma posição que enquadre a mudança das mentalidades, das perspectivas culturais, educacionais a partir de elementos básicos que estruturem uma representação realista, interventiva - de mudança - da nação. Não podemos bastar-nos com o situacionismo.
Há dias, ouvia também o Prof. João Medina a ecoar os aspectos activos, positivos da constituição da identidade, da vontade de partilha, de solidariedade e de memórias comuns que estão presentes no conceito de nação. Mas esta visão é elitista, pois, grosseiramente, a que é directriz, nos tempos hodiernos, não é a da memória, mas do esquecimento: muitas nações existem também por hábito, por pura passividade, porque é mais cómodo, inquieta menos.
Ora, enquanto não podemos estar permanentemente num processo de identificação - activo, portanto, em estruturação -, contentamo-nos com a "identidade", uma espécie de processo acabado, fechado, conquanto agravado na auto-estima. Mas a identidade não é algo de estatutário: pressupõe diferença, dinâmica diferenciadora, construção, debate, luta e imaginação construtiva e pensamento exercitado em cima da realidade. É isto que não existe há muitos séculos em Portugal.
Acho que poderíamos aproveitar a ideia de que o processo identificador em Portugal ainda não acabou (e não reside num passado histórico supostamente glorioso, épico), e, deste estado letárgico, de expectativa (veja-se o fenómeno da selecção portuguesa), avançar em direcção ao futuro com participação activa, ou seja, cívica, política - genericamente falando. A partir da palavra e do pensamento que sonda, agir, intervir, propor.
Nem tudo está perdido. Há razões (que não importa indagar aqui) para acreditar, prospectivando um devir que conte com o engenho daqueles que mais meios têm para transformar - ou ajudar - o real.
É isto que me proponho para o futuro.
Caro amigo (permita-me este trato funcional), já não é suficiente ser-se optimista e, acima de tudo, crer-se que se pode ser optimista. Pois este optimismo, no mais das vezes, significa acreditar nos outros, sob uma espécie de antropologia cristã de confiança e solidariedade. Mas “optimismo” vale como “esperança”. E esta só encontra o seu fundamento num futuro, na reflexão de que o fizermos hoje – problema de conduta e de escolhas – ecoará amanhã, como um influxo protector, recompensador.

Fernando de Castro