2006/02/16

Só mesmo Bolonha!


Só mesmo Bolonha me faria querer registar na Memória o que, acidentalmente, me foi ontem oferecido. Pelas onze da noite, já mais perto de ir dormir do que continuar a trabalhar (e o fim dos trabalhos forçados está quase…) passei rapidamente pelos canais de notícias, e não é que na RTP Norte houve um fórum (por acaso, até estava escrito forúm!) sobre Bolonha? O sinal foi captado e por lá fiquei, em convívio com gente conhecida, desde o meu Vice-reitor Manuel Mota até ao meu então colega na Universidade do Algarve Adriano Pimpão e ao meu Presidente da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação de Faro, Luís Soares (de quem fui vogal) e ao Salvato Trigo, que era membro da Comissão Instaladora do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, se bem me lembro.

Foi uma conversa interessante, sem discussões, em que cada um deu a sua contribuição num registo que me pareceu mais ou menos sensato. Para quem não esteja tão envolvido como eu no processo terá parecido que havia mais optimismo do que pessimismo, embora a uma dada altura fosse mais ou menos consensual a ideia de que Bolonha é para se ir construindo e pouco adianta pensar que em Outubro os cursos que se apresentarem com o novo modelo vão funcionar todos muito bem. Não vão, seguramente: porque uma coisa é dizer-se que não valem cosméticas (isto é, disfarçar um conjunto de disciplinas em unidades curriculares com meia dúzia de resultados de aprendizagem expressos, mas continuar a reunir os alunos numa sala e “dar” aulas tradicionais) e outra é precisamente fazer diferente. E esse fazer diferente é complicado, e isso foi dito, para docentes mas também para alunos.

O processo falhará se inicialmente os alunos não perceberem, como foi muito bem enunciado pelo painel, que a sua maneira de estar na Universidade (ou no Politécnico) terá de mudar radicalmente; e para isso os professores têm também de mudar. É a instituição que está em causa, porque é ela que tem de se tornar outra. Não para diminuir níveis de exigência, mas para modificar as exigências até agora prevalentes. Nesse sentido, Salvato Trigo foi muito claro: não se trata de aprender menos, de ter menos conhecimentos, mas de obter mais conhecimentos de outras formas. Porque só assim fará sentido falar em competências.

6 comentários:

Miguel Pinto disse...

Qual é o número adequado de alunos por professor de forma a viabilizar a contrução de competências, PJ? Será irrelevante o tempo que cada professor dedica a cada aluno?

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Não posso deixar de comentar os comentários. Quando dentro de dias estiver liberto certamente terei muito a escrever sobre Bolonha e o debate será então mais alargado.
Para já, direi que a adopção dos princípios que Bolonha sugere não vai ser fácil nem para estudantes nem para docentes, mais para estes do que para aqueles porque os professores têm, na sua esmagadora maioria, de mudar, e os estudantes, tendo embora de mudar também, podem e devem desde o primerio momento ser levados a perceber as regras do jogo. Por outro lado, ainda, as mudanças que têm de existir implicam a instituição, universidade ou politécnico, como um todo. Ia escrever uma frase que levantaria uma celeuma enorme e por isso vou evitá-la e ser mais brando. Se se pretende que o estudante seja avaliado pelas competências que foi capaz de apropriar com as suas aprendizagens, e se isso é medido pelo trabalho que se lhe vai exigir, o professor vai mudar o seu tipo de acção, e não pode nem deve contabilizar o tempo como fazia, em horas de aulas. Para muitos cursos e muitas unidades curriculares o tempo de horas de contacto nas clássicas "aulas" deve ser mínimo, e o tempo de orientação (solicitada ou em resposta a dificulades) deve ser máximo. Num futuro que não será amanhã, mas irá acontecer, no começo de uma unidade curricular o aluno terá à sua disposição, indicados pelo professor, todos os elementos de estudo e as orientações básicas para o concretizar, e em vez de ir ouvir a palavra do mestre x horas por semana, terá ao longo do tempo de estudar e confrontar com o docente, em horas tutoriais (mas também por e-mail, por telefone), o seu andamento, para o que terá de periodicamente ser avaliado. É isto compatível com 25 alunos ou com 120? É evidente que o número faz alguma diferença, mas aí terá de entrar a organização interna dos departamentos (e, claro, do estabelecimento de ensino) para tornar possível este esquema. Nós temos em funcionamento na UM um caso exemplar, o do curso de Medicina, que vai no seu quarto ano: os alunos entram na escola às 8 e saem às 18 - e durante o dia estudam e recebem apoio dos docentes responsáveis pelas unidades em que trabalham. A distribuição de serviço é feita de modo a que uma maior carga de trabalho num semestre corresponda libertação do outro semestre para a investigação.
Voltarei a este e outros temas sobre Bolonha. Claro, repito: "isto" não vai ser fácil!

Pedro Morgado disse...

Ainda bem que o Professor Varela trouxe à discussão o caso de Medicina, na Universidade do Minho.
Eu sou aluno do 5º ano dessa licenciatura e posso testemunhar a dedicação e o empenho dos docentes ao longo de cada área - estão disponíveis praticamente a tempo inteiro e o processo de ensino-aprendizagem é uma construção partilhada entre alunos e professores.
De facto, é possível gerir os recursos humanos de uma Escola para se adaptarem ao modelo proposto por Bolonha.
Quanto a mim, a grande vantagem é que os professores vão deixar de ver a sua disciplina como uma "quinta" em que têm que ensinar e avaliar o máximo de conteúdos possíveis... Quanto a mim, o mais importante são as competências que cada aluno é capaz de desenvolver ao longo da frequência em determinada área ou disciplina, avaliando-se a apresndizagem e valorizando-se a criatividade, em detrimento da mera memorização de conteúdos.

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Meu caro Pedro, agradeço o seu depoimento. Convido-o, já que "descobriu" o blog, a intervir mais quando, dentro de alguns dias, a discussão sobre estes tópicos se generalizar.

«« disse...

Bolonha continua uma nuvem escura que parece ninguém se entender. Assisti ao fórum e de facto não fiquei com a ideia de entendimento. No último paragrafo do post fiquei com a ideia de que o processo estará vocacionado ao insucesso se os alunos não o entenderem (depois fica um pouco de água para o capote da instituição e dos professores)...parece-me curto, quando a sensação que tenho é que o tempo que mediou as primeiras discussões até aos últimos tempos quando se teve a noção de que era irreverssível o processo, foi de marasmo e inércia total dos responsáveis pelas universidades.

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Miguel, só em parte tem razão. As instituições de ensino superior não podiam avançar sem terem o quadro de referências que a tutela devia definir. Aceito (e digo-o hoje no meu post) que não exista grande vontade de mudança em muitos docentes, mas o que não se podia (ou devia) era "inventar" soluções. Repare que não estou a discutir se a tutela devia ou não impor essas regras; eu até penso que devia, mas se tivesse expressamente dito que não as definiria a nossa liberdade ter-nos-ia levado a avançar.