2005/03/30

Ainda sobre o ensino superior politécnico


Na sexta-feira Santa tive ocasião de ler um artigo que veio publicado no Diário de Notícias, que espero possa ler aqui. Não identifiquei logo o seu autor, Armando Vieira, mas ontem uma pesquisa rápida na Internet deu-mo a conhecer: é um ainda jovem professor coordenador do Instituto Superior de Engenharia do Porto, doutorado em Física Teórica pela Universidade de Coimbra, e também um blogger (visite as suas Coisitas). Gostei do artigo, porque nele encontrei muitas verdades que, como o Autor diz, é necessário reconhecer que existem. Tenho contudo um ponto de discordância porque sinceramente não me apercebo que as coisas tenham acontecido como Armando Vieira as coloca.

Depois de traçar um quadro lúcido sobre a origem dos politécnicos (excelente que considere as Escolas Industriais “antepassados dignos”) e de referir a sua finalidade – formação de mão-de-obra qualificada – não deixando de acentuar que na criação dos politécnicos imperou muitas vezes um “regionalismo folclórico”, começa um parágrafo escrevendo:

“…Passada a euforia inicial, os politécnicos cedo se viram vítimas de uma concorrência feroz das universidades com uma liberdade de acção muito condicionada pelos poderosos lobies destas últimas”.

Antes de prosseguir, uma nota cautelar: na esfera do ensino superior politécnico, estou muito mais familiarizado com o que diz respeito às Escolas Superiores de Educação do que em relação a outras escolas; mas mesmo assim fui membro da Comissão Instaladora do Instituto Politécnico de Faro, que tinha inicialmente uma Escola de Tecnologia e Gestão e acompanhei o seu crescimento. De qualquer modo, Armando Vieira pode ter algum motivo para escrever o que escreveu, mas, a frio, falar de concorrência feroz das universidades não me faz sentido. E isto porque desde o início se definiu, a meu ver bem – e na linha dos tais dignos antepassados, os Institutos Industriais e Comerciais, que os politécnicos iriam formar técnicos intermédios, preenchendo uma lacuna que era cada vez mais evidente na indústria. O grau concebido para esse fim foi o bacharelato (recuperando uma palavra com história), reservando-se a licenciatura para as universidades. Quando hoje se reclama para os politécnicos a capacidade de “fazer” licenciaturas, mestrados e conferir o grau de doutor, eu terei de dizer que existe aqui uma perversão da ideia inicial. E note-se, o Autor do artigo reconhece-o, quando diz que “os politécnicos nunca foram capazes de definir uma estratégia coerente criando um modelo de ensino superior alternativo ao universitário com dignidade e sem complexos”. Exacto! Foi mesmo isso que aconteceu. O que o ensino superior politécnico, a partir de um certo momento, revelou, foi uma enorme falta de criatividade, incapaz de aceitar que os seus objectivos não eram os mesmos dos do ensino universitário, porque os seus cursos tinham de ter um carácter específico, visando colmatar as exigências de emprego em áreas que não se confundiam com aquelas para que são direccionados os cursos universitários. Repare-se que eu não defendo que os politécnicos não façam investigação, que não tenham no seu corpo docente titulares de doutoramentos, que se “apaguem” perante as universidades. Defendo ainda que deve haver, em termos de carreira docente, uma equiparação que não gere os actuais absurdos (na entrada e no termo das carreiras, note-se). O que não posso defender é que os politécnicos queiram ser universidades – e infelizmente, essa aspiração é patente, sobretudo nas instituições do interior do país. Pelo que li no artigo de Armando Vieira, e com excepção daquela frase (que pode ter uma explicação) ele pensa exactamente como eu e a sua ideia de politécnico deriva da fonte límpida dos que, nos anos 80, deram corpo às primeiras instituições.
Temos de aproveitar o momento de mudança que Bolonha favorece para evitar cair em erros que outros já cometeram neste latente conflito universidade-politécnico. É preciso preservar a dualidade de formações, definindo com clareza princípios e fins.

9 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Varela de Freitas

Permita-me o cepticismo

As pessoas que deixámos instalarem-se no politécnico não querem aquilo com que sonhámos nos idos de 70 e de que o País precisava e precisa.

E quando digo deixámos refiro-me a este País desatento, aos governantes, aos dirigentes, e, muito, aos cidadãos em geral.

Recorda-se de 1977. Do ensino superior de curta duração.
De quem foram os inimigos? (E os responsáveis históricos pela «desqualificação» original do politécnico)
E da luta de tantos nós a tentar demonstrar que era preciso (como o é hoje).

Luta inglória!

Querem o quê?

Universidades politécnicas!
Doutoramentos!
Mestrados!
E quem forma os técnicos de que o país precisa?

Eles querem lá saber!

E quem são eles?

Fica para outro comentário

Um abraço fraterno

Silence Storm disse...

Estou de acordo que a frase que está no meu artigo talvez seja exagerada. Embora as universidades exerçam alguma pressão para manter o status quo, a maior fatia da culpa, em relação à secundarização do ensino politécnico, cabe aos próprios politécnicos.
Se existem adversários, são eles mesmos...

Abraço,
Armando
PS: gostei do seu blog.

Anónimo disse...

Completamente de acordo! Não tem sido explícito que o politécnico não tem sido capaz de cumprir a sua missão, de formar técnicos intermédios que toda a gente diz que fazem falta. E por estar um pouco à deriva quanto aos seus objectivos, deixa espaço a que uns tantos oportunistas, leia-se "professores coordenadores frustados", que chegaram ao topo da carreira e não conseguem entrar numa universidade, queiram agora transformar o politécnico em universidade, para ganhar mais uns trocos, mas prevertendo todo o sentido dum ensino politécnico e estragando a vida de muitos que entraram nesta via. São os alunos que assim deixarão de ter um curso rápido de 3 anos, são os docentes que só com o mestrado, tinham possibilidade de entrar para o quadro, são os encarregados de trabalho que deixam pura e simplesmente de existir, são os inúmeros docentes equiparados (a que na universidade se chamam convidados) que não fazem, nunca fizeram, nem pensam vir a fazer investigação e que deixarão de ter lugar numa universidade. A pequena meia dúzia de docentes que nos politécnicos está ligada a projectos de investigação não chega para lhe dar uma classificação suficiente. Assim, estas escolas passarão a ser as mais rascas do conjunto das escolas universitárias, perdendo assim a oportunidade de serem as melhores de entre as politécnicas. Tudo, porque se perdeu o sentido da necessidade dum ensino intermédio.

Anónimo disse...

Como é fácil falar sem conhecer a realidade. Estas opiniões revelam uma falta de conhecimento tremenda sobre como funcionam várias escolas e muitos cursos das mais variadas áreas, desde a engenharia à gestão, passando pela saúde. Basta para isso olhar para as taxasd e inserção profissional dos diplomados do ensino politécnico, ler alguns relatórios de avaliação externa dos cursos e todos esses argumentos se desmoronam. Será que há algum mal em querer ter professores mais qualificados, e consequentemente, com um corpo mais qualificado, ministrar mestrados, naturalmente mais profissionalizantes. É bom que não se confundam as posições de vários dirigentes com aquilo que se passa no dia a dia dos politécnicos.Talves fosse bom visitar algumas instituições, falar com alguns empregadores e, depois, emitir posições mais fundamentadas

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Reflexão geral

Compreendo que em torno deste tema existam posições diferentes. Como fui professor no ensino politécnico, na sua fase inicial, certamente estou muito influenciado pelas ideias que existiam no momento e eu próprio ajudei a configurar. O politécnico tem uma campo de acção perfeitamente delimitado cujo valor ninguém põe em dúvida. Como ninguém questiona que os seus docentes se qualifiquem, que integrem os quadros do ensino superior em pé de igualdade se as suas formações forem as mesmas, que façam investigação no seu campo de especialização. O que ponho em causa (e tem havido declarações claras de diversos quadrantes sobre isso) é que os politécnicos se “transformem” em universidades, porque então estão a abastardar-se os princípios que os devem informar.

Silence Storm disse...

Era bom que os "anónimos" tivessem a coragem de dar a cara pelo que opinam. No entanto, o emprego da táctica de responder a argumentos com acusões pessoais deixa muitas dúvidas sobre estas críticas.

Armando

Anónimo disse...

Meu caro Varela de Freitas

Confesso que não entendi totalmente o que quis dizer.

Estou de acordo: é preciso «ter professores mais qualificados»

Mas isso não significa ministrar mestrados (os de hoje) nem transformar os cursos em imitações baratas do ensino universitários: significa, antes de mais, formar técnicos qualificados com um espaço bem preciso no mercado de trabalho.

E que bem precisos são!
´
Mas não consigo compreender o implícito na sua frase «Talvez fosse bom visitar algumas instituições, falar com alguns empregadores e, depois, emitir posições mais fundamentadas»

Um abraço sempre fraterno de quem sempre esteve na mesma luta

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Armando

Uma vez que, como o Armando, "dou" a cara, preferiria que não houvesse anonimato, mas não me perturba que o usem.

esup

Atenção! A frase que cita não é minha, mas de um comentador anónimo... A minha referência vem a seguir, em resposta a essa, sob o título "Reflexão geral".

Anónimo disse...

Atenção que o primeiro anónimo não é o mesmo que o segundo, como se depreeende do que escrevem. Acontece que o primeiro anónimo (eu) está a sofrer na pele o facto de ter criticado fora da sua escola certas posições e actuações dos dirigentes da escola onde lecciona. Como não tem assento na Comissão Coordenadora do Concelho Científico não pode aí fazer ouvir a sua voz, nem dar a sua opinião sobre as decisões que aí se tomam. Desta vez não quer que os canhões de virem outra vez contra si, uma vez que a opinião dominante dos dirigentes da escola é a favor da integração no universitário. Eu não concordo. Muita gente com quem tenho falado, na escola, não concorda. Mas o Conselho Directivo não faz qualquer consulta à escola. Vai alegremente de vento em popa fazendo todas as demarches para a integração. Anuncia só maravilhas. Os alunos, passam a ser universitários. Os professores adjuntos passam a ser Professores associados. Os assistentes... bem ... haverá um período de transição de 8 anos e vamos organizar doutoramentos em massa!!!